. —Surpresa! Entre os desenvolvidos, os EUA são os que se recuperam com mais dinamismo–
Eleito presidente dos EUA em 1992, Bill Clinton reuniu na cidade de Little Rock, no seu estado de Arkansas, uma cúpula de economistas para montar cenários e indicar as tendências das próximas décadas. Foram produzidas milhares de páginas, nas quais não apareceu uma única vez a palavra ?Internet?. Como foi possível que cabeças tão brilhantes não antecipassem a chegada iminente da força motriz da revolução econômica global?
É sempre assim. O novo está por aí, rondando, visível e invisível, à espera de alguma combinação de fatores, como a de juntar os computadores com os telefones. Estaria por acontecer algo assim nos Estados Unidos de hoje?
Parece um paradoxo. Está certo que há uma recuperação na economia americana, mas é moderada. O país ainda sofre com desemprego recorde, apatia da construção civil e enorme buraco nas contas públicas. Especular sobre um ciclo de inovação não seria um exercício inútil?
Isso se saberá depois, mas a especulação em si faz sentido. Ocorre que das duas previsões mais sombrias para a economia americana, apresentadas no auge da crise, final de 2008, início de 2009, uma já foi para a lata de lixo, a outra parece estar no mesmo caminho.
A primeira, para o médio prazo, dizia que os EUA passariam anos em recessão e/ou depressão. Falhou. No primeiro trimestre de 2009, a economia americana afundava em um ritmo anualizado de quase 7%. Ou seja, se todo aquele ano repetisse o desempenho dos primeiros três meses, os EUA teriam deixado de produzir mercadorias e serviços no valor de mais de um trilhão de dólares ? uma hecatombe.
Mas já no último trimestre do ano passado, o produto nacional crescia a quase 6%. Esse ritmo arrefeceu em 2010, é claro, pois vinha de um fundo de poço. Mas continua bastante positivo. As diversas expectativas apontam para um crescimento entre 3% e 3,5% ao longo deste período, melhor desempenho entre os desenvolvidos.
A segunda previsão catastrófica apontava para o século. Dizia que um novo mundo surgiria após a crise, caracterizado pelo declínio do império e do modelo americano. Alguns esperavam mesmo que isso fosse também o fim do capitalismo.
Ainda estamos na primeira década, de modo que essa previsão permanece, digamos, não testada. Mas aqui aparece a ?contra-previsão?. E se a economia americana, que já patrocinou tantas reviravoltas, saiu-se bem de tantos buracos e inventou tantas coisas, não estiver aprontando mais uma?
Há sinais a observar. Primeiro, o extraordinário salto na produtividade. Em um momento em que todos lá, setores público e privado, precisam economizar para equilibrar as dívidas do passado, produzir mais com menos fatores é condição essencial para manter o crescimento.
E a produtividade geral cresceu nada menos que 5,8% no ano passado, um recorde mundial. Há exemplos de ganhos de eficiência tanto nos diversos níveis da administração pública quanto nas companhias privadas.
Um mote é economizar energia ? gerar mais produto com a mesma unidade de energia ? e buscar fontes mais limpas. Poderia ser essa a bola vez, a revolução verde?
O governo Obama acredita que isso será pelo menos parte da solução. Faz política nessa direção. Por exemplo: fixou como meta para a indústria automobilística que, em 2016, os carros façam, na média, 15 quilômetros por litro de gasolina, contra o padrão atual de 9 quilômetros/litro. Dá bem uma idéia da força da mudança.
Para projetos destinados a mudar o padrão energético, o governo oferece financiamentos subsidiados. Isso vale para companhias antigas, como Ford e GM, na produção de carros a gasolina mais eficientes, para empresas novas que desenvolvem automóveis elétricos ou para fábricas de turbinas para energia eólica. (A propósito, várias cidades e estados estão impondo metas, como no Colorado, região das mais ricas do país, onde 30% da energia terá de vir de fontes renováveis em 2020).
Também tem muita porcaria ocorrendo por lá, como os instintos protecionistas, os subsídios que apóiam produtores ineficientes mas politicamente fortes. E a mudança exigida na vida do país ? de gastador a poupador, de perdulário a econômico, de importador a mais exportador ? é difícil de operar.
No geral, porém, há forças positivas se movendo. Pode ser prematuro esperar uma grande mudança, mas ao menos é preciso admitir que as autópsias também foram prematuras.
Publicado em O Globo, 15 de abril de 2010