ATRASO DA POLÍTICA ECONÔMICA NO BRASIL

. Agendas atrasadas Ninguém duvida: ganhando a eleição, Lula assumirá sem qualquer problema e governará conforme as regras do regime democrático. Ninguém acha que poderá haver obstáculo à posse, assim como ninguém desconfia que um governo Lula possa atropelar as normas constitucionais. Mas há dúvidas quanto à política econômica. Pergunta-se, por exemplo: poderá voltar a inflação? E, antes que patrulhem, esta é uma pergunta pertinente, sim senhor, sim senhora. Não é de hoje que líderes petistas e economistas ligados ao partido manifestam restrições à prática de se elevar juros para combater inflação em alta. Ainda na semana passada, Lula criticou a decisão do Banco Central de elevar a taxa básica de juros de 18% para 21% ao ano. Segundo o candidato, os juros pagos pelo BC no mercado financeiro não podem ser maiores que a taxa de lucro das empresas porque, se forem, todo mundo vai preferir emprestar para o governo em vez de produzir alguma coisa. É verdade. Se você pode ganhar 21 sem apertar um único parafuso, porque se meteria numa empreitada de risco para ganhar 10? Ou seja, juros básicos de 21% bloqueiam o crescimento econômico, se forem para sempre. Mas a questão do momento não é esta. O BC alega que a alta de juros foi necessária para conter um surto inflacionário evidente. É a regra do regime de metas de inflação. Toda vez que a inflação se encaminha acima da meta pré-fixada, como está ocorrendo, o BC eleva os juros justamente para esfriar a economia e matar o surto inflacionário. Isso acontecendo, reduzem-se os juros. Ninguém imagina que o BC brasileiro acredita que pode manter juros de 21% por um longo período. Assim, quando Lula critica a recente elevação dos juros, “política cega”, disse, isso suscita dúvidas. Quer dizer, pergunta-se, que seu governo seria mais tolerante com a inflação? Porque essa é uma tese defendida por muita gente: topar uma inflação mais elevada, até acima de 10% ao ano, para não apertar demais a atividade econômica, ainda que temporariamente. Seria isso? Qual o novo teto a ser tolerado? Ou seja, a democracia está enraizada na sociedade e institucionalizada. Já dois pontos essenciais de política econômica – não pode ter inflação e não se pode estourar as contas públicas – não parecem tão enraizados. E estão apenas parcialmente institucionalizados. Temos a Lei de Responsabilidade Fiscal, LRF, um enorme avanço. Estabelece regras precisas para a administração do gasto público, impondo limites em todos os itens. O governo federal, por exemplo, não pode gastar mais que 40% da receita com pessoal. Também está vetada a concessão de novos empréstimos da União para os Estados e Municípios, assim como o financiamento federal de dívidas estaduais e municipais. Pode-se dizer, portanto, que a regra de equilíbrio das contas públicas está institucionalizada. Mas a contragosto para muita gente. Governadores e prefeitos do PT e das oposições em geral, como Itamar Franco, vivem reclamando do que consideram as amarras da LRF. Pedem mais margem de manobra, vale dizer, de gastos, e, em especial, querem renegociar os contratos de dívida com o governo federal. Isso significa que pretendem refinanciar suas dívidas com a União, o que é proibido pela LRF. Lula não se comprometeu com essas demandas nesta campanha. Mas ficou de pensar e manifestou simpatia pelo pleito de governadores e prefeitos. E então, pode-se, portanto, mudar a LRF? É outra dúvida razoável. E já na política monetária, a institucionalização é quase nula. Temos um regime de metas de inflação, mas nem está na lei. No fundo, é apenas uma decisão do presidente da República, que pode ser alterada numa canetada pelo futuro presidente. Seria diferente se já existissem leis conferindo autonomia ao Banco Central e definindo o sistema de metas de inflação. Há dois pontos essenciais na autonomia do BC. Um é o mandato fixo dos diretores, não coincidentes com o do presidente da República. Assim, quando o presidente assume, encontra uma diretoria do BC em operação. Ao longo do mandato do presidente, vão vencendo mandatos dos diretores do BC. Portanto, o presidente nomeia diretores do BC para parte do seu mandato e parte do período do seu sucessor. O outro ponto da autonomia do BC é que a instituição tem liberdade para executar uma política monetária, com metas de inflação, fixadas por outra instituição, o Senado, por exemplo, ou um Conselho Monetário Nacional. Assim, o BC tem autonomia para elevar os juros se entender que isso é necessário para cumprir a meta de inflação. Se isso já existisse aqui no Brasil, na lei, não estaríamos passando por toda essa crise de confiança. Alguém poderá dizer: mas a LRF é uma lei e tem gente querendo mudá-la. É verdade. Por isso dizemos que as regras básicas de política econômica – estabilidade monetária e equilíbrio das contas públicas – precisam estar institucionalizadas, na lei, e enraizadas na sociedade. Mas só estando na lei ajuda muito. Mudar a LRF, por exemplo, vai ser difícil. Será preciso montar uma maioria no Congresso e, além disso, enfrentar a desconfiança que a simples proposta de mudança vai causar. Já o regime de metas de inflação e a autonomia do BC, hoje praticadas pelo governo FHC, podem ser eliminados no dia seguinte à posse do novo presidente. Eis aí, a agenda de política econômica está atrasada, na lei e na sociedade. É por isso mesmo que a votação da lei de autonomia do BC, ainda neste ano, com apoio do presidente eleito, teria um enorme efeito positivo sobre as expectativas. Também uma declaração forte a favor da LRF ajudaria muito. Chegaremos lá?

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