. Não são as metas, estúpido
Nesta semana, o Conselho Monetário Nacional, integrado pelos ministros da Fazenda e do Planejamento e pelo presidente do Banco Central, vai fixar a meta de inflação para 2008, conforme determinam as regras desse sistema de política monetária. Tudo indica que o CMN manterá o objetivo deste ano e do próximo: meta de 4,5%, com tolerância de dois pontos para cima ou para baixo, sempre tomando como referência o IPCA, Índice de Preços ao Consumidor Amplo, do IBGE.
Repetem-se também as metas fixadas para 2005 (cumprida na margem de tolerância, com 5,7% ) e a deste ano, que provavelmente será atingida com folga para baixo. As previsões do mercado hoje apontam para 4,17%.
Parece, portanto, que se fixou um ponto: 4,5% ao ano é a taxa de inflação adequada ou possível para o Brasil de hoje. E isso é bom ou ruim?
Comparando com o nosso passado, trata-se de um resultado muito bom. Basta lembrar que a inflação de apenas quatro anos atrás alcançou 12,5%, em consequência da crise de confiança gerada pela eleição de Lula, em 2002. Sair disso para os 4,5% atuais é um desempenho notável.
Mas, como em muitos pontos da economia brasileira, quando se compara com as outras, o resultado piora. Estudo recente do Departamento Econômico do ABN Amro mostra que na média dos principais países emergente, a meta de inflação para este ano está em 3,3%, com margem de tolerância de apenas um ponto. Numa amostra de 13 países que adotam o sistema, a regra brasileira é a que admite os números mais elevados. Tolera-se aqui uma inflação de até 6,5%, se a margem de tolerância for integralmente utilizada.
Aqui na América Latina, por exemplo, só a Colômbia tem meta igual à brasileira, mas lá a margem é de apenas meio ponto. Os demais têm objetivos entre 2,5% e 3%.
Para os países desenvolvidos, a meta tem sido de 2%, com tolerância entre zero e um ponto.
Como este é um mundo globalizado e como o Brasil compete com os demais emergentes, a meta de inflação aqui deveria convergir para a média internacional. Assim, o CMN deveria fixar metas descendentes para os próximos anos, mantendo o chamado processo de ?desinflação?.
Há aqui um debate, digamos, técnico, e outro político-ideológico. No lado técnico, juntam-se todos os que apóiam o regime de metas de inflação e concordam com a idéia de que os padrões nacionais devem convergir para os internacionais. As divergências referem-se a condições específicas que determinariam a velocidade para se fazer isso.
Há questões chaves não resolvidas, como o fato da autonomia do Banco Central existir na prática e não na lei, o que enfraquece a autoridade monetária, operadora das metas. Além disso, tarifas públicas e outros preços continuam indexados. Finalmente, os salários nominais não podem ser reduzidos e, em grande parte, também são indexados, na medida em que categorias conseguem pelo menos repor a inflação passada.
Antes que se diga que há aí o objetivo de fazer os trabalhadores pagarem a conta da desinflação, é preciso registrar que os aumentos reais de salários não são inflacionários quando resultam do aumento da produtividade. Fora disso, criam, sim, pressão inflacionária. E quando se estabelece que sempre haverá reajuste conforme a inflação passada ? para salários, tarifas ou demais preços ? isso é, sim, uma indexação que fixa pisos para a inflação.
Assim, se argumenta, não haveria condições de forçar a atual inflação brasileira mais para baixo enquanto não se realizarem reformas importantes ? como da legislação trabalhista e legalização da autonomia do BC ? e mais a desindexação de tarifas.
Por outro lado, muitos analistas sustentam que, mesmo assim, o CMN deveria indicar uma rota descendente, fixando por exemplo uma meta de 4,25%, só para indicar a direção.
Mas, além disso, há o debate político-ideológico, centrado no seguinte ponto. O Brasil já fez muito sacrifício para combater a inflação (juros altos e crescimento baixo), os 4,5% estão mais que bom e querer menos que isso vai comprometer de novo a expansão da economia. Por trás dessa tese, está outra, que o país não cresceu porque se dedicou a combater a inflação e o déficit das contas públicas.
Deixando o caso das contas públicas para uma próxima coluna, a idéia de que combater a inflação reduz o crescimento parte de uma constatação correta. No regime de metas, o instrumento do BC para combater a alta de preços está na elevação da taxa básica de juros. Ora, juros mais elevados comprometem consumo e investimento e, assim, esfriam a economia e derrubam os preços.
É uma conclusão correta, mas não conta a história toda. A inflação não decorre do crescimento econômico, nem mesmo do crescimento acelerado à chinesa, mas do crescimento acima da capacidade (da potencialidade) do país.
Se um país cresce a 5% ao ano, mas com investimentos em infraestrutura, máquinas, tecnologia da informação e conhecimento, que aumentem continuamente a produtividade e a capacidade de produção, não há problema. A demanda aumenta de dez para 20 automóveis, mas se a economia consegue produzir e/ou importar esses dez a mais, qual o problema?
Desde 2003, por exemplo, o mundo cresce a taxas expressivas, sem inflação, inclusive os EUA. Agora, parece que a capacidade atingiu o ponto máximo e os bancos centrais do mundo todo estão elevando juros. Mas isso não vai eliminar o crescimento, vai recose-lo moderadamente e criar condições de retomada.
Ou seja, o Brasil não cresce mais não porque combateu a inflação, mas porque: tem um baixo nível de poupança privada de longo prazo (e, pois, pouco investimento privado); o setor público arrecada demais, deve demais e gasta demais em custeio, salários, previdência e juros, sobrando quase nada para investimentos; gasta mal em educação, não formando uma mão de obra treinada e educada; tem um ambiente institucional hostil aos negócios, a quem quer empreender e ganhar dinheiro honestamente; é pouco aberto ao comércio mundial.
Antes, tinha isso tudo e mais a inflação elevada, esta também uma causa de baixo crescimento. Na verdade, basta olhar em torno. Os países emergentes, na média, crescem mais que o Brasil, com inflação menor que a nossa. Também não se pode dizer que ambição de inflação muito baixa exige juros estratosféricos. Os outros têm inflação menor que a nossa, com taxas de juros bem menores.
Ou seja, nosso problema de baixo crescimento ? de médio e longo prazo – não está em metas apertadas. Na verdade, infelizmente, pois seria fácil acertar as metas. Muito mais difícil é ajeitar aqueles problemas estruturais e institucionais. Publicado em O Estado de S.Paulo, 26 de junho de 2006