. Duas crises, dois atrasos Foram duas semanas de lascar. Primeiro, o terror em São Paulo, depois, a tremedeira dos mercados financeiros. Esta última destruiu riqueza tanto de poupadores quanto de especuladores e mostrou o principal problema da economia brasileira: não ter aproveitado o excelente momento da economia mundial para tocar algumas reformas, cuja falta já se sentiu nesse momento agudo. A crise de segurança público foi muito pior. Destruiu vidas e mostrou mais uma vez a extrema vulnerabilidade da sociedade ao crime organizado. As duas passaram da fase aguda e, como sempre, pelo menos por algum tempo, fica um debate. No caso da crise financeira, o presidente disse que a economia brasileira estava sólida e por isso não se abalava mais só porque o presidente do Banco Central dos EUA dava um espirro. É verdade que as contas externas brasileiras são hoje infinitamente mais confortáveis. Contando o superávit do comércio externo e a entrada de Investimento Externo Direto (IED), o país recebeu no ano passado mais de US$ 61 bilhões. Colocando mais uns sete bilhões de aplicações financeiras, em busca dos juros altos, dá quase 70 bilhões de entradas líquidas. E deve ser a mesma coisa neste ano. Por isso, aliás, o dólar ficou tão barato. Tem excesso de oferta. Ainda assim, o dólar saltou de R$ 2,05 para R$ 2,40, em três dias, só por causa de espirros nos EUA. Desde 2003, para sorte de Lula, o mundo engatou numa marcha de crescimento, puxado pelos Estados Unidos, o shopping do mundo. Quatro anos seguidos de crescimento vigoroso, sem inflação, mas com o acúmulo de dívidas e déficits. Lá nos EUA, todos, o país, o consumidor e o governo, gastam mais do que ganham. E são financiados pelo resto do mundo, pelos países que vendem para os americanos. O medo no mundo é o seguinte: numa hora dessas, vai dar inflação nos EUA, o BC deles eleva os juros, a economia desacelera, o país endividado tem que economizar para pagar seus débitos com juros mais altos, e lá se foi o crescimento mundial. Toda a confusão da última semana começou com números que sugeriam a volta da inflação. E terminou com dados mostrando que a inflação está sob controle. Por que o Brasil sofreu mais que outros países? Porque embora tenha melhorado muito, ainda tem indicadores piores, especialmente a Dívida Líquida do Setor Público, equivalente a 51% do Produto Interno Bruto, quando deveria ser de 30%. E o governo Lula, embora tenha conseguido uma pequena redução nessa dívida, não fez nenhum programa de forte redução do gasto público. Ao contrário, está aumentando. Quanto à outra crise da segurança, Lula observou, entre outras coisas, que o gasto com um presidiário é maior do que com um aluno do ensino fundamental e que, com mais educação, haverá menos criminosos. Meias verdades. Educação ajuda a longo prazo, não dispensa eficiência da polícia e do Judiciário ? no que este governo manteve a tradição dos anteriores: o fracasso. E funcionou!
Na coluna de 16 de janeiro deste ano, reproduzimos aqui o email de um leitor, Alfredo A. Schnabel Fuentes, executivo da filial brasileira de uma multinacional alemã do ramo de sensores, que contava uma história exemplar, no mau sentido, sobre a nossa burocracia.
A matriz da multinacional queria exportar sensores para o Brasil em reais. Bom negócio para a filial brasileira, que ficava devedora em reais, não em euros. Claro, bom negócio também para as contas externas brasileiras.
Desde 1999, a companhia tentava viabilizar essa importação. Até que, em 2005, o Banco Central editou norma que equiparava as importações em reais às feitas em outras moedas, sem a necessidade de emissão prévia de Licença de Importação (LI), com custos menores.
A filial brasileira fez uma operação teste, com êxito, e quando se preparava para acelerar os negócios, surpresa: o Ministério do Desenvolvimento edita nova portaria, passando a exigir a LI prévia para importações em moeda nacional.
Quando nos escreveu, em janeiro deste ano, o ouvinte já estava desanimado, mas resolveu tentar mais uma vez. E deu certo. Eis o que nos contou em email da semana passada:
?Conseguimos agendar uma reunião com o Secretário do Ministério do Desenvolvimento Armando de Mello Meziat. A reunião ocorreu em 24.02.2006, no Rio de Janeiro em plena véspera de carnaval. Fomos, eu e o presidente da empresa, muito bem atendidos pelo próprio secretário que convocou seus assessores para estudar o assunto. O próprio Meziat já havia lido a coluna no Estado e mostrou-se totalmente favorável à revisão da norma. Três meses depois, no último dia 5, a portaria foi modificada e as importações em Reais finalmente estão liberadas de Licença prévia de importação. Fazendo justiça ao secretário, todo o processo foi muito profissional?. Ponto para o secretário Meziat e para o ministro Luiz Furlan. Publicado em O Estado de S.Paulo, 29/maio/2006