AS DUAS AGENDAS DO GOVERNO LULA

. É a segunda agenda que vai mal É como se o governo Lula tivesse duas agendas. Não são contraditórias, na verdade se complementam, mas convém separá-las para fins de análise. Uma agenda inclui a série de políticas e medidas destinadas a dissolver o risco Lula – a enorme falta de confiança que se abateu sobre a economia brasileira, desde abril de 2002, com a perspectiva de eleição de Luiz Inácio Lula da Silva com o velho PT. A segunda agenda inclui políticas de desenvolvimento sustentado e programas sociais. Em outras palavras, trata-se, primeiro, de restabelecer as condições sob as quais o país vivia no final do governo FHC, antes da crise eleitoral. E depois, então, mostrar a cara da nova administração. Ou ainda: o primeiro passo do governo Lula foi mostrar o que não seria (o governo do velho PT), o segundo é indicar o que será (o novo PT?). Na linguagem do governo Lula, a primeira tarefa é combater a “herança maldita de FHC”. Razões de propaganda política, que o PT sabe manusear, determinam que se martele a expressão “herança FHC”, mas só os radicais e ingênuos não sabem que a explosão do dólar, da inflação e do risco Brasil constituiu o legado antecipado das idéias do velho PT. A verdadeira herança de FHC, maldita também, se quiserem, é assunto para a segunda agenda, aquela destinada a completar as reformas, destravar condições de crescimento, como a falta de regulação nos setores chaves de energia, saneamento e construção, e construir bases de longo alcance, como um sistema educacional de melhor qualidade. A primeira agenda, que se poderia dizer de curto prazo, foi bem encaminhada. Seu principal foco foi debelar a ameaça inflacionária com uma política monetária clássica, conservadora e executada com muita firmeza por um Banco Central na prática independente. Antes mesmo da obtenção dos resultados práticos – os baixíssimos índices de inflação do momento – a simples definição da equipe econômica e daquela política já bastou para derrubar vários pontos do risco Lula. Com isso, e mais algumas medidas paralelas, como a manutenção, reforço e cumprimento antecipado do acordo com o FMI, o risco Lula desabou, em alguns momentos chegou perto do risco FHC, mas se tem mantido de 150 a 200 pontos acima. Parece ser o máximo a ser obtido pela primeira agenda. Não se passa por uma crise de confiança aguda sem sequelas. O dólar, por exemplo, não volta mais o que era em abril de 2002 (entre R$ 2,30 e 2,40). A inflação, sim, pode retornar a patamares razoáveis, mas paga-se um preço, no caso, o ambiente de baixíssima atividade econômica (e alto desemprego), inevitável consequência de uma política antiinflacionária tão apertada. O alívio dessa política, já em curso com a redução da taxa básica de juros, certamente propiciará alguma recuperação da atividade, mas nada que se aproxime de um espetáculo de crescimento. Este vai depender de outras coisas, como uma queda mais acentuada do risco Brasil, e aqui já estamos na segunda agenda, a do desenvolvimento sustentado e dos programas sociais. A reforma da Previdência é parte das duas agendas. Da primeira, na medida em que mostra uma nova face do PT (independente das corporações do setor público) e assim influi positivamente na confiança imediata dos mercados; da segunda porque, melhorando o estado das contas públicas, reforça bases para o crescimento de médio e longo prazo. A reforma tributária pertence inteiramente à segunda agenda, assim como as políticas de desenvolvimento industrial, apoio à exportação e mais tudo que se refere à criação de condições para a retomada dos investimentos em energia, saneamento e construção civil e telecomunicações. Também se incluem nessa agenda de médio e longo prazo a política para educação e o conjunto de medidas microeconômicas definidas pelo Ministério da Fazenda, como a lei de Falências e outras providências destinadas a baratear e ampliar o crédito na economia brasileira. Há problemas no conjunto todo. A primeira impressão é que tudo está atrasado. Governos novos demoram a pegar, mas parece que há algo além disso – uma falta de rumos, consequência provavelmente dos processos de mudança por que passam o PT e seus quadros. É essencial a criação de ambiente favorável aos investimentos. E passo a passo, vai se formando um clima que é o contrário disso. Nas telecomunicações, o setor que mais gerou investimentos nos últimos anos, a situação é de desolação. Sob os aplausos do ministro das Comunicações, Miro Teixeira, o Judiciário simplesmente rasgou contratos, ao mudar os índices de reajuste de tarifas com base no mais que subjetivo e amorfo argumento de “abuso de poder econômico”. Sim, é decisão provisória, mas acende um enorme sinal vermelho: mostra que o Judiciário local, por razões políticas e com base numa vaga ideologia segundo a qual grandes empresas multinacionais, assim como bancos, nunca têm razão, considera normal rasgar contratos assinados por pessoas adultas, legalmente autorizadas e, ao menos aparentemente, no gozo de suas faculdades mentais. A regulação do setor elétrico desaponta o pessoal do setor. No saneamento e construção civil, nada ainda. Há uma dificuldade comum em todos esses casos: a idéia básica dos quadros do PT é ampliar os investimentos públicos e aumentar o controle do Estado sobre os agentes privados. Ora, o Estado não tem dinheiro e há sérias limitações para a tomada de novos empréstimos. O setor privado tem os recursos e pode obter financiamentos, mas exige regras transparentes e duradouras, que definam rumos mas não obstruam a liberdade de fazer negócios e ganhar dinheiro. O dilema resulta em falta tanto dos investimentos públicos quanto dos privados. Também não favorece o clima de investimentos a tolerância do governo com as invasões de terras e propriedades urbanas. O problema não é a ação dos movimentos em si – radicais sempre haverá – mas a falta de reação do governo que, perplexo com a ofensiva dos amigos, promete cumprir o rigor da lei (isto é, chamar a polícia) mas veste o boné do pessoal. Tudo indica que vai sair uma reforma da Previdência com avanços em relação à situação atual. Os mercados apreciarão. A queda dos juros garante um crescimento modesto para o ano que vem. Com o atual ambiente político, isso cria um quadro econômico inferior ao do governo FHC. Romper com esse ambiente e levar a um período longo de crescimento é tarefa de um governo que ainda não se formou na prática. Pode vir a se formar, mas exige mudanças em relação ao que aí está. Publicado em O Estado de S.Paulo, 28/07/2003

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