. O que querem mais? As agências de classificação de risco elevaram as notas brasileiras, recolocando-as no nível em que estavam em 2002, antes da crise de confiança gerada com a então iminente eleição de Lula. Estão dizendo, portanto: ok para um governo de esquerda; como nos países europeus, o Brasil também pode eleger partidos socialistas ou trabalhistas, que estes vão praticar a política econômica clássica, responsável, etc. etc. Com isso, o risco Lula ficou igual ao risco FHC. Mas só esse fato – o de que a nota Lula é a mesma da era FHC – já significa que o equilíbrio da política econômica brasileira é hoje, necessariamente, de qualidade superior. Explica-se: na era FHC havia o risco Lula de esquerda, o PT das propostas econômicas de ruptura e calote. Ora, esse risco literalmente sumiu do horizonte. Caro leitor, cara leitora, vamos reparar: o governo do PT, a menos de um mês das eleições, elevou o superávit primário das contas públicas – isto é, decidiu de sua própria cabeça, sem o FMI pedir, fazer mais economia, e menos gastos, para pagar mais juros – e aceitou que seu Banco Central aumentasse a taxa básica de juros, mesmo quando economistas conservadores diziam que isso não era necessário. Gente, de novo, vamos reparar: isso quer dizer que ajuste fiscal e o combate rigoroso à inflação são para sempre. A discussão hoje é se a meta de inflação deve ser 5% ou 6% ao ano; se o superávit primário, já maior que o da era FHC, deve ser 4,25% ou 4,5% do PIB – e todo mundo acha normal que o governo do PT venha a fazer isso. Pelo menos em um determinado quesito, o risco Brasil agora é zero: o risco de que um governo populista faça uma nova inflação e detone as contas públicas, terminando por dar o cano nos credores nacionais e internacionais. Isso não vai acontecer, a menos que se admita que o deputado Babá tem alguma chance de se eleger presidente. Para falar a verdade, o risco maior hoje é que se eleja um político do velho estilo, daqueles que acham que o governo está aí para servir à família e aos amigos. Ainda assim, convenhamos, é remoto. O cargo de presidente está hoje como esteve nas três últimas eleições, entre o PT e o PSDB. E, assim, a gente já sabe qual será base da política econômica. Não se pode esquecer: no tempo de FHC, o pessoal dizia que o risco Brasil era maior porque não havia segurança quanto aos próximos governos. Essa conversa morreu. Mas as agências de classificação de risco não incorporaram esse fator nas suas avaliações. Estariam esperando o quê? Há argumentos –e números – para demonstrar que a nota brasileira deve ser mesmo inferior que a mexicana ou coreana do sul, por exemplo. Nesses países, a dívida pública é bem menor que a brasileira e as exportações deles cobrem a totalidade da dívida externa em menos de um ano. Aqui, a dívida líquida do setor público, depois do esforço do governo Lula, caiu para 54% do Produto Interno Bruto. No México, é de 25%. Na Coréia, 16%. O Brasil se aproxima de exportações anuais de US$ 100 bilhões, a metade de uma dívida externa pouco acima dos US$ 200 bilhões. Na Coréia, menos de seis meses de exportação “pagam” a dívida. No México, 11 meses. Ou seja, o Brasil deveria estar exportando algo como US$ 200 bilhões, o dobro dos valores atuais. Estamos atrasados, portanto. Mas em 2002, antes da crise de confiança, a relação dívida/PIB era de 56% e as exportações, de US$ 60 bilhões/ ano, cobriam menos de um terço da dívida externa (US$ 215 bilhões). Eis o ponto a registrar: a verdade é que o país deixou para trás a longa crise iniciada em 2002 e, pelo próprio esforço de resistir, chegou a 2004 em situação bem superior. Está certo que a nota brasileira seja inferior à do México. Mas a avaliação do Brasil-04 tem de ser superior à do Brasil-02, pois a economia está, em nenhuma dúvida, em situação melhor. Com a vantagem de não existir mais o risco político de ruptura. Além disso, o governo Lula, por alguns de seus ministérios, está efetivamente tocando uma agenda pró-negócios. Os projetos de lei de falências, as mudanças no crédito imobiliário, as medidas para simplificar a vida das empresas, as reduções de impostos para investimentos e para a formação de poupança de longo prazo, tudo isso aponta para um ambiente mais amigável ao investimento privado. Na semana passada, o presidente Lula, depois de lembrar sua origem sindicalista, falou mais uma vez da necessidade de se fazer uma reforma trabalhista, com o objetivo de reduzir as obrigações das pequenas empresas, o que significa reduzir os direitos dos trabalhadores dessas empresas. Estamos claramente naquela situação que se repete em diversos momentos da história dos países: só um governo de esquerda é capaz de fazer as reformas que a esquerda combatia. Está acontecendo neste momento na Alemanha, com o social democrata Gerhard Schroeder fazendo reformas que reduzem o tamanho e os benefícios concedidos pelo estado do bem estar social. Está acontecendo no Brasil uma situação idêntica. Lula, consciente ou inconscientemente, até recorre ao clássico expediente de manter uma linguagem de esquerda nos discursos para tocar uma política conservadora em economia. Como se diz na China: dê sinal à esquerda e vire à direita. Qual o risco real do governo Lula abortar seu atual caminho? Não vamos dizer zero para não provocar o destino, mas é praticamente zero. Reparem mais uma vez: toda vez que se apresentou uma escolha limite, entre manter a política econômica do ministro Antonio Palocci ou abandoná-la, o presidente fechou com Palocci. O risco real hoje é a agenda econômica empacar nas incompetências administrativas, na deficiente gestão política no Congresso e na resistência do velho PT. Este não tem mais força para mudar a agenda (ou para derrubar Palocci), mas continua tendo espaço e postos no governo para atrapalhar. Ainda assim, mesmo empacando, a situação hoje é melhor. O consolo aqui é que a ficha das agências e do mercado demora para cair, mas quando cai, cai legal. Veremos. Publicado em O Estado de S.Paulo, 27/09/04
AS AGÊNCIAS E O RISCO BRASIL
- Post published:9 de abril de 2007
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