. Relaxe e aproveite o dólar barato
Já que não há meios de impedir a queda do dólar, relaxe e aproveite. Essa parece ser a base da estratégia que vem sendo aplicada pelo Ministério da Fazenda, sob a inequívoca liderança do secretário do Tesouro, Joaquim Levy. Trata-se de aproveitar o dólar barato e abundante para matar a dívida externa pública e fazer com que o dinheiro estrangeiro passe a financiar parte maior da dívida interna. Se der tudo certo, os juros de médio e longo prazo vão desabar ? já estão caindo ? e isso levará o Banco Central a reduzir substancialmente os juros de curto prazo, a taxa básica ou taxa Selic, hoje em 17,25% ao ano. Mesmo porque, com a entrada de mais dólares, a moeda americana se desvaloriza mais um pouco, o que ajuda a manter a inflação baixa ? e dá mais condições para o BC fazer sua parte de reduzir os juros.
O Tesouro, como muitos analistas de fora do governo, também considera excessiva a taxa básica praticada pelo BC. Mas sabe também que o BC não tem muita saída. Dada a meta de inflação de 4,5% ao ano e considerando que o governo, como um todo, aumenta seus gastos sem parar, não há saída fora de juros elevados. Um pouco mais, um pouco menos, mas elevados.
Há poucas semanas, o ministro da Fazenda, Antonio Palocci, tentou atacar a outra perna do problema e propôs um programa de longo prazo de controle e redução do gasto público. Foi detonado pela ministra Dilma Roussef e pelo conjunto do governo Lula, incluindo o próprio presidente, que deposita esperanças, inclusive eleitorais, no aumento do gasto público.
Dada essa conjuntura econômica e política, o que se pode fazer além de reclamar? Utilizar os instrumentos que pertencem à Fazenda e melhorar os fundamentos que de alguma forma determinam a taxa de juros, pensou a dupla Palocci/Levy. Por exemplo, o risco Brasil, que fechou em 230 pontos básicos na última sexta. Isso significa que os investidores que compram papéis do Tesouro brasileiro querem um rendimento de apenas 2,3 pontos percentuais acima da remuneração dos títulos americanos. É um risco maior do que o de outros países emergentes importantes, mas não faz muito tempo o Brasil não conseguia nada menor do que 5 pontos.
Como se reduz o risco Brasil? Provando ao investidor externo que o país tem condições de sobra para honrar os pagamentos referentes à dívida externa. Como se faz isso? Com o governo comprando dólares e aumentando suas reservas em moeda forte. Hoje, mesmo depois de liquidado o empréstimo do FMI, o governo tem reservas em torno dos US$ 60 bilhões, que dá para pagar todos os compromissos externos dos próximos três anos.
Além disso, o Tesouro liquidou a dívida interna indexada ao dólar e está recomprando títulos de curto prazo da dívida externa. Ora, um país que tem reservas e deve menos, é risco menor de calote. Menos de um ano atrás, o governo brasileiro pagava juros reais de 12% para vender papéis lá fora. Pagou pouco mais de 8% na semana passada.
A operação de comprar dólares é cara. O governo paga com reais e depois, para recolher o excesso de reais na praça, o que pode ser inflacionário, coloca títulos da dívida interna. E os juros em reais são mais altos do que em dólares.
Mas o Tesouro claramente assumiu esse custo, entendendo que o benefício ? a forte queda dos juros externos e do risco Brasil ? compensa.
Ocorre que uma parte dos juros locais é determinada pelo risco Brasil. Derrubando este, abre-se espaço para a queda daqueles.
Vai nessa mesma direção a decisão de isentar de Imposto de Renda os investimentos estrangeiros em títulos da dívida pública interna. A idéia: por que não canalizar para os papéis internos em reais os dólares antes aplicados em títulos externos, em liquidação?
A vantagem esperada é a seguinte: quando vende seus papéis, o Tesouro faz um leilão, obviamente procurando colocar títulos ao maior prazo possível, com o menor juro possível. Havendo mais investidores externos disputando os papéis, os prazos sobem e os juros caem. Como já aconteceu na semana passada, só com a expectativa da entrada em vigor da isenção do IR.
Obviamente, isso tem efeito na taxa de câmbio. Essa estratégia faz com que entrem mais dólares no país e quanto mais gente querendo vender a moeda americana por aqui, menor sua cotação.
Mas aí, paciência. O dólar já estava irremediavelmente barato por causa das exportações. O mundo está em franca expansão ? é importador, pois – e dois gigantes emergentes, China, muito em especial, e Índia, esta em segundo lugar, crescem muito rapidamente e precisam de produtos nos quais Brasil é bom e competente exportador.
Além disso, juros altos aqui atraem investidores de curto prazo. Mais dólares. E, finalmente, na medida em que melhoram vários indicadores brasileiros ? tendo ficado claro que o governo Lula não vai mudar a política econômica clássica e. além disso, isenta de IR os estrangeiros ? isso também atrai mais investimentos externos.
Ou seja, o dólar vai continuar barato e muito barato até que as importações brasileiras comecem a crescer forte e o país tenha como gastar a moeda americana. As importações crescerão aceleradamente só quando a economia crescer de modo mais vigoroso, o que depende de juros internos menores.
Eis, portanto, onde fecha o plano Palocci/Levy. Com superávit primário na meta, dívida externa liquidada, risco país lá embaixo, dívida interna com prazo mais longo e pagando juros menores e, finalmente, com o dólar barato segurando a inflação, então os caras do BC terão que reduzir a taxa básica. Esta caindo, isso estimula o crescimento, abre mercado interno inclusive para as empresas que perdem clientes lá fora por causa do real valorizado. Aí é só correr para o abraço. O Brasil acaba virando ?grau de investimento? ? e essa classificação permitirá que grandes fundos de pensão comprem papéis brasileiros, a juros menores.
E, aliás, tome mais dólar, o que vai exigir mais importação, esta ainda a perna mais fraca da estratégia.
Vai dar certo? Nunca se sabe, depende de muitas variáveis externas. Mas está claro que Palocci e sua turma têm um plano adequado às circunstâncias e o aplicam criteriosamente até aqui, com alguns bons resultados iniciais. E é o que eles podem fazer com seus próprios meios. Publicado em O Estado de S.Paulo, 20 de fevereiro de 2006