ALGO GRAVE VAI ESCAPAR

. Medo e esperança

Em dois parágrafos e nove linhas, o Federal Reserve, Fed, banco central dos EUA, relacionou nada menos que sete problemas imediatos com os quais precisa lidar: A saber: perspectiva de fraca atividade econômica queda na expansão do consumo piora no mercado de trabalho ?considerável estresse? no mercado financeiro aprofundamento da crise imobiliária (casa própria) aperto no crédito alta da inflação e das expectativas de inflação.
Considerando que, pela teoria, bancos centrais só conseguem tratar a contento de um problema de cada vez, a conclusão só pode ser esta: mesmo em caso de sucesso do Fed, algo grave vai escapar.
No primeiro momento, entendia-se que o Fed optara por deixar escapar a inflação. Suas prioridades seriam evitar a recessão (ou evitar uma recessão profunda e duradoura) e restabelecer a ordem e a confiança no sistema financeiro.
O remédio para isso foi largamente utilizado desde setembro: reduções da taxas de juros e a mobilização de uma enorme quantidade de dinheiro para emprestar aos bancos e alimentar o sistema de crédito.
Por isso, as bolsas comemoraram de novo quando o Fed montou uma operação de emergência no último fim de semana para impedir o colapso do Bear Stearns, que era o quinto maior banco dos EUA, e reduziu a taxa básica de juros para 2,25% ao ano na reunião formal de terça-feira.
Na quarta, porém, as bolsas vieram abaixo. O motivo principal foi a venda de ações de empresas vinculadas a agronegócio, mineração e energia, especialmente petróleo. Desde o início da atual crise, em agosto do ano passado, as comodities passavam ao largo. O índice da revista Economist desta semana, por exemplo, mostrou que os preços, em 11 de março, estavam 40,7% mais altos que um ano atrás e 10% acima do registrado um mês atrás.
Há poucas semanas, a Vale fechou contratos com siderúrgicas do mundo todo prevendo reajustes de 65% a 71% no preço de seu minério de ferro.
O que estava por trás disso? A convicção de que, mesmo com a crise financeira centrada em Wall Street, a economia mundial, puxada especialmente pela China, continuaria num ritmo de crescimento mais do que razoável.
É verdade que essas altas de comodities fatalmente provocariam aumentos de preços no atacado e no varejo (a siderúrgica, que paga mais pelo aço, repassa para a montadora de automóveis, que repassa ao consumidor). E daí? A preocupação básica não era impedir a recessão? Na maior economia do planeta, o Fed não estava concentrado no combate à crise de crédito e estimulando o consumo? A China não estava tolerando uma inflação de 7% ao ano?
Assim, investidores com o objetivo de defender seu patrimônio e especuladores do mundo todo saíram comprando contratos futuros de tudo que é comodity (alimentos, metais e combustíveis) e as ações das companhias que produzem isso.
Ontem, venderam. As ações da Vale caíram quase 7% as da Petrobrás, mais de 7%. Desabaram preços de ouro, do petróleo, de todos os metais básicos (como cobre, alumínio, níquel, chumbo, zinco e estanho), em resumo, de tudo que parecia um porto seguro.
É que as pessoas se lembraram da inflação. Prestaram atenção ao trecho do comunicado do Fed que fala dos perigos da inflação notaram que o Banco Central da Europa mantém os juros altos justamente com foco na inflação lembraram que autoridades chinesas falam em desacelerar a economia ? e pronto, prevaleceu a sensação ruim de que o mundo pode enfrentar recessão nos EUA, e seus efeitos sobre os demais países, com mais inflação por toda a parte, o que exigirá altas de juros e queda da atividade, inclusive no Brasil.
Essa é a tendência dominante? Nada garante. Ocorre que há base real para temores e esperanças. Ontem, por exemplo, correram rumores pelos mercados mundiais sobre corridas a bancos. E há bancos em dificuldades, um deles quase faliu. Mas há também a ação dos bancos centrais, dispostos a gastar dinheiro para impedir quebradeiras.
Há muitos países em forte crescimento, como os asiáticos e os do Leste Europeu, incluída a Rússia. Sabiam que a China hoje gasta com a importação de óleo de soja 35 vezes o que gastava na entrada dos anos 2000? E que consome hoje metade do cimento produzido no mundo? Não é possível que essa máquina pare de uma hora para outra.
Acrescente aí um tanto de especulação e muito de medo, pessoas procurando um porto seguro para seu dinheiro, e se tem uma boa aproximação do que se passa.
Haja sangue-frio.

Publicado em O Globo, 20 de março de 2008

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