AINDA O BRASIL E OS TIGRES ASIÁTICOS

. A ditadura deles foi melhor – parte 2 O tema é o mesmo: por que os Tigres Asiáticos cresceram mais? Mas a palavra é dos leitores   O japonês Toshiro Kobayashi começou a entender o Brasil em uma cidade interessante: Salvador. Era recém-formado em economia quando, recrutado pelo Banco de Tóquio, perguntaram-lhe se não gostaria de se dedicar aos negócios da instituição no Brasil. Topou e assim veio parar numa pós-graduação na Universidade Federal da Bahia. De algum modo, deu certo. Kobayashi fez carreira no departamento brasileiro. Chegou ao topo. Nos anos 80 e início dos anos 90, foi presidente do Banco de Tóquio no Brasil. Aposentou-se e foi dar aulas no Japão, talvez sobre Brasil. Era amigo dos jornalistas da área de economia e todo final de ano promovia em sua casa um monumental jantar – japonês, claro – onde rolavam especiarias, uísque e muitas histórias. Uma das minhas preferidas falava da, digamos assim, cultura empresarial brasileira. Kobayashi empenhava-se em promover associações entre empresas japonesas e brasileiras. Trazia empresários do Japão e colocava em contato com os brasileiros. O roteiro das visitas era sempre o mesmo. O japonês visitava a fábrica do brasileiro, conhecia os negócios e, no final de semana, era convidado para a fazenda ou casa de praia do empresário local. E era sempre um desastre, contava Kobayashi. Os empresários japoneses ficam impressionados com o atraso das fábricas e a riqueza das casas de fim de semana. Muito luxo na casa, pouco investimento na fábrica, reclamavam, temendo assim colocar seu dinheiro aqui. Essa história voltou-me à memória na semana passada ao ler os emails de leitores e leitoras que gentilmente atenderam o convite feito no artigo da última segunda nesta mesma página (A ditadura deles foi melhor). Comentava que o Brasil e os Tigres Asiáticos tinham igualmente passado por ditaduras e por regimes em que o Estado controlava largamente a economia, distribuía subsídios, protegia as empresas locais, controlava preços e capitais, fazia planos estratégicos e criava estatais. Mas eles experimentaram um crescimento econômico muito mais vigoroso. Perguntava-se então: por que teria ocorrido assim? Nas respostas dos leitores e leitoras, não raro apareceram questões culturais, como falta de dedicação aos empreendimentos, menos trabalho e pouco patriotismo. Assim, hoje damos a palavra aos que nos escreveram. A economista Lídia Goldenstein enviou seu livro “Repensando a Economia”, editora Paz e Terra, cujo último capítulo se intitula “Os caminhos da dependência e da autonomia: Brasil e Coréia”. Seleciono um trecho que, obviamente, dá apenas uma pequena amostra de trabalho muito mais elaborado: “Ao contrário do que houve na Coréia, a distribuição de subsídios (no Brasil) foi feita sem a contrapartida de uma cobrança de desempenho; os planos econômicos, quando implementados, jamais tiveram um acompanhamento de sintonia fina; as proteções a setores eleitos raramente eram retiradas, tornando-se direito adquirido mesmo quando as prioridades eram revistas; os lobbies e favores especiais para políticos ou grupos econômicos chegaram a tal monta que passaram a minar decisões de longo prazo e corroer a capacidade de financiamento da economia. Apesar da intervenção estatal ter sido ampla, seu caráter foi radicalmente diferente”. De Luciana Yeung, Pós-graduada em Economia Aplicada pela Universidade de Wisconsin, especialista em economia comparada Brasil & Leste/Sudeste Asiático: “A ditadura em Cingapura (assunto central de nosso artigo) funcionou melhor porque, em termos econômicos, eles souberam cronometrar o "timing" para a adoção de políticas de substituição de importações e para a transição a políticas de incentivos às exportações. Em termos políticos, os governantes, apesar de ditadores, tinham em mente o desenvolvimento de seu próprio país. Uma atitude paternalista, mas por isto mesmo, uma atitude responsável, de preocupação real com o bem estar do povo. Infelizmente em nosso país isto não aconteceu. Governantes tiveram, na maioria dos casos, ambições pessoais à frente dos objetivos nacionais. Falta um pouco para nós o senso de nacionalismo – tão tachado de ridículo – e pelo visto isto faz falta. Como se vê pelo caso de Cingapura, o investimento não demora tanto assim para frutificar, se realizado da maneira correta”. De Marco Antonio Nogueira, professor da Universidade de Uberaba: “A partir de meados da década de 60, mesmo possuindo um modelo de substituição de importações (semelhante ao nosso), os Tigres Asiáticos "remodelaram-se", visando o comércio internacional que, entre 1945-1965, cresceu 500% em valor. Ou seja, nada de mercado interno, e vamos aproveitar a "tsunami" do comércio internacional. O modelo adotado foi de complementação dos principais produtos, ou seja, partes de computador, parte do equipamento, etc. Com o tempo, dominaram o know-how necessário para o todo. Com visão estratégica, criaram os grandes conglomerados (Dawoo, Kia, etc…), seguindo o modelo japonês. Daí advém a imagem da marca, agressividade de marketing e agregação de valor. Tendo essas bases, veio a sorte: o " milagre japonês " da década de 80. Deste resultaram maiores produções, exportações e mercado consumidor. Investimento em educação foi forte, porém estava conectado às estratégias do país. Resumindo, fizeram planejamento estratégico, olhando as ameaças e oportunidades. Nós ? Lembra-se da frase "o Brasil é uma ilha de prosperidade cercada por um mar de crises ?" Lembra muito a teoria do avestruz: enfiamos a cabeça no chão e…..”. De Juliana, que não deu o sobrenome, mas indicou sua cidade, Igarapava (SP), e sua idade, 17 anos: “Como quase todos os problemas brasileiros,a causa é cultural e se arrasta pela educação. Os brasileiros têm valores bastante diferentes dos orientais, por vários fatores que se arrastam desde nossa colonização. O Brasil é a "classe média" dos países. Não tem a humildade nem a força de vontade dos pobres(ideologicamente),porém quer equivalência com os ricos em status e economia. E como os ideais são mais fortes que o meio para atingi-los, tanto faz se democracia, ditadura ou qualquer forma de sistema inventado. O objetivo (leia-se quem os "objetiva") é ambicioso demais para se preocuparem com as devastações causadas para se chegar lá”. De Rogério Araujo: “Nossa ditadura não deu certo, porque nossos empresários somente visam seus lucros pessoais, não sendo nem um pouco nacionalistas. As multinacionais não se tornaram exportadoras e sim exploradoras. O sistema público corrompeu-se ao invés de prosperar e, por fim, nossa Justiça não correspondeu aos seus próprios princípios”. Eis aí, um resumo da opinião dos leitores e leitoras. Esse caso, o “milagre” dos Tigres, tem sido amplamente debatido nos meios econômicos e políticos. Não vamos fugir da raia. Voltaremos ao tema, tentando tirar lições para o Brasil de hoje. E, a propósito, repararam no email da Juliana? Se aos 17 anos ela escreve assim, então nem tudo está perdido. (Publicado em O Estado de S.Paulo, 19/03/2001)

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