A IMPLICÂNCIA SAI CARO

–Lula implicava com os EUA e isso atrapalhou os interesses brasileiros Dilma muda?—

Miriam Leitão encontrou a palavra certa: implicância. Foi esse sentimento, e não uma estratégia pensada, que dominou a diplomacia brasileira na relação com os Estados Unidos durante o governo Lula.
Saiu caro. O Brasil conseguiu a proeza de ser hoje um dos raríssimos países que têm déficit comercial com os Estados Unidos, que são simplesmente os maiores importadores do mundo.
Somando exportações e importações ? o volume total do comércio ? a participação dos EUA caiu expressivamente na pauta brasileira. Lula e seu pessoal nessa área comemoraram. Classificaram isso como a eliminação da dependência em relação à potência imperialista. Dizem que o comércio brasileiro se diversificou, especialmente em direção aos mais pobres do Sul, inclusive China.
Errado. Embaralharam a história. É evidente que é melhor ter muitos clientes do que um só, especialmente quando esse um passa por uma crise quase mortal. México, por exemplo, foi o país da América Latina que mais sofreu com a última crise, exatamente por sua relação intensa com os EUA. É verdade, por outro lado, que a economia mexicana pegou uma boa carona no forte crescimento dos EUA no final do século passado e início deste. A um determinado momento, era o latino-americano que mais crescia, especialmente graças às vendas para os americanos.
Mas, ok. Se o México tivesse uma exportação mais diversificada estaria melhor agora.
Isso é uma coisa. Outra, bem diferente, é perder posições no mercado consumidor mais rico do mundo. Vender mais na América Latina, Ásia e África é bom. Mas se o preço for vender menos nos EUA, não é bom. O país estaria trocando um mercado rico por um de consumidores com menor poder de compra.
A diplomacia implicante não trouxe problemas de imediato. Mas provocou sucessivos desgastes, foi criando um ambiente de desconfiança e, pois, de negociações emperradas.
Por aqui, Lula e sua turma colocavam a culpa de tudo no protecionismo americano. No caso explícito, as restrições dos EUA a importações brasileiras, de suco de laranja e etanol, por exemplo, além dos subsídios à agricultura.
É uma boa bronca. Mas, além disso, os EUA continuaram sendo os maiores importadores do mundo, a economia mais aberta. Em um PIB de US$ 14 trilhões, o consumo das famílias representa quase 70%. Ou seja, o pessoal lá torra quase US$ 10 trilhões no shopping por ano.
A diplomacia da era Lula tratou isso com desdém. Foi aos tribunais internacionais contestar o protecionismo americano, ajudou a enterrar o projeto da Associação de Livre Comércio das Américas, Alca, e colocou a China como parceira estratégica.
Enquanto isso, diversos outros países, inclusive da América Latina, tratavam de negociar acordos comerciais bi-laterais com os EUA, ao mesmo tempo em que aproveitavam as novas oportunidades oferecidas pelos chineses.
Reparem: a China não se tornou o principal destino das exportações brasileiras por causa da diplomacia Lula. A iniciativa foi dos chineses, que saíram em busca de alimentos e comodities no mundo todo. E aqui encontraram os bons produtos da Vale e do agronegócio. (Detalhe, a China nos compra especialmente comodities e os EUA, mais produtos industrializados).
Todos os países latino-americanos importantes aumentaram suas vendas para a China. E continuaram com foco no imenso mercado americano, negociando acordos parciais, prática rejeitada pela diplomacia lulista. ?Acordinhos?, desdenhava o ex-chanceler Celso Amorim. E por causa desses acordinhos, tem empresa brasileira hoje que precisa mandar produtos inacabados para outros países latino-americanos, terminá-los lá e então exportar para os EUA. Ou ainda empresa brasileira que precisa se instalar em outros países, levando capitais para lá.
Há sinais de que a presidente Dilma pode mudar esse quadro para o lado da boa razão. E essa razão, a dos interesses brasileiros, mostra que em diversas situações o Brasil está ao lado dos EUA. Por exemplo, o presidente francês quer impor controles ao mercado internacional de alimentos. Brasil e EUA estão juntos na oposição a isso.
E por falar em França: Lula quase comprou os jatos franceses, os Rafale, para a Força Aérea Brasileira, embora os relatórios técnicos e econômicos não os recomendassem. Mas Lula iria gastar bilhões de dólares com os caças americanos da Boeing?
A presidente Dilma tratou de bloquear o assunto e mandou reestudar tudo. E recentes informações vindas dos EUA e da França dizem que a presidente teria dito ao secretário do Tesouro americano, Tim Gheitner, que ela se inclina, surpresa, pelos jatos americanos.
Sem implicâncias ideológicas, isso pode ser um negócio melhor, especialmente se a presidente conseguir incluir umas trocas, com a Força Aérea americana comprando os Supertucanos da Embraer. É óbvio que os EUA podem comprar muito mais do que o governo francês.
Também nesta semana, o Wall Street Journal, citando fontes do Tesouro americano, diz que a presidente Dilma concordou em se juntar aos EUA, no G-20, na pressão sobre a China, para a valorização do Yuan.
Algo parece mudar.

Publicado em O Globo, 10 de fevereiro de 2011

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