A FÚRIA, PRODUTO DO LIVRE MERCADO

—Com mercado aberto, a importação de jogaores elevou o nível do futebol espanhol—

O sucesso da seleção espanhola demonstra o acerto da tese favorável aos mercados abertos. Na verdade, o que acontece no futebol espanhol é a realização completa dessa tese tão cara a muitos economistas.
Há muito tempo os clubes espanhóis contratam jogadores estrangeiros. Como em qualquer setor, importa-se o que de melhor têm os países exportadores. Estes só conseguem colocar lá fora seus produtos mais competitivos, isso definido por uma combinação de qualidade e preço.
No caso do futebol, isso fica muito claro. Só faz sentido, no início do processo ao menos, contratar jogadores melhores do que os disponíveis internamente, pagando salários mais elevados. Ainda hoje os estrangeiros Cristiano Ronaldo e Kaká são os mais caros na Espanha. Também faz sentido importar jogadores de qualidade pouco superior ou mesmo semelhante à dos locais, mas cuja contratação seja mais econômica.
Em qualquer caso, a conseqüência é a elevação da qualidade do futebol importador. Os jogadores locais, para conseguir vaga nos times, precisam evoluir até o ponto em que estão os estrangeiros com os quais passam a competir.
Muita gente diz que a importação livre acaba com a produção local, seja de geladeiras ou de jogadores. O caso da Espanha prova o contrário. Nunca o time espanhol teve tantos craques, nunca jogou tão bonito. Tal foi a mudança que os jogadores espanhóis ? antes colocados em segundo nível no mundo ? passaram também a ser exportados para outros centros de excelência.
Isso fecha o processo, o mercado tornando-se ao mesmo tempo importador e exportador.
Perguntará o leitor: mas e Itália e Inglaterra, também fortemente importadores, há muito tempo, e que deixaram a Copa logo no começo?
Foi circunstancial. Não se deve esquecer que a Itália foi a campeã de 2006 e que chegou à África do Sul com um time envelhecido e cansado. E a Inglaterra, onde está a maior legião estrangeira, formou agora, com um técnico importado, a melhor seleção dos últimos tempos. Nunca teve tantos craques no mesmo time. Ocorre, apenas, que não estiveram bem na Copa, ou cansados ou machucados. Lembrando, a seleção foi muito bem na fase de classificação, que é sempre muito difícil na Europa.
Vira e mexe sai essa discussão na Europa. Na própria Espanha, o fracasso na Copa passada foi atribuído por muitos analistas locais à ?invasão estrangeira?. É também o que se fala hoje na Itália.
É a mesma coisa que pedem produtores locais de qualquer país e qualquer setor quando submetidos à competição com os importados. Claro que é preciso cuidar com dumping, preço vil, concorrência desleal. Mas isso é simples de administrar.
E muito diferente de instalar um sistema protecionista, que bloqueia de algum modo a entrada dos importados. Isso sempre levou à estagnação econômica e prejuízos ao consumidor, que só tem acesso a produtos piores e mais caros.
Se a Espanha tivesse proibido a importação de jogadores, teria times piores, que ofereceriam espetáculos piores e, portanto, com faturamento muito menor. A importação elevou o nível do futebol local e, na verdade, com a formação dos grandes clubes, abriu espaço para a formação dos craques locais.
Exportador
Nesse mercado, o Brasil está no papel de exportador. Grande exportador, como a Argentina e, de resto, toda a América do Sul. Isso tem enfraquecido o futebol local, sem craques e, pois, com menos faturamento.
Vai daí que muita gente acha que proibir a exportação, especialmente dos jovens, é uma saída.
Um baita equívoco. Primeiro, que seria uma violação à liberdade de ir e vir e de trabalhar. Então, um clube europeu oferece uma nota ao jovem pobre e ele é obrigado a jogar no Brasil por salários muito menores?
Não é justo, não é legal.
Nem eficiente. Os jogadores vão embora porque os clubes não têm dinheiro para pagá-los em níveis internacionais. E por que não têm dinheiro? Porque dirigentes amadores e incompetentes, para dizer o mínimo, não conseguem tornar mais rentável um negócio que empolga milhões de pessoas que poderiam perfeitamente pagar mais caro por espetáculos mais bem organizados.
O atraso se mede pela preparação da Copa 2014. No país campeão do mundo cinco vezes, não há um único estádio de padrão-Fifa. E esse padrão não é nenhum excesso dos cartolas da Fifa. O que se exige são estádios que ofereçam conforto ao público consumidor e boas condições de trabalho para os jornalistas, especialmente para a televisão, de onde vem a maior parte do faturamento desse negócio.
É tão ruim a gestão do futebol no Brasil que cria até uma esperança. Alguma profissionalização já produziria resultados.

Publicado em O Estado de S.Paulo, 12 de julho de 2010

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