Vai-se Bolsonaro.
Qual Lula volta?
Carlos Alberto Sardenberg
Então ficamos assim: vai-se Bolsonaro, volta Lula.
Pela ordem: Bolsonaro. Ele não sai com os 58 milhões de votos que obteve no segundo turno. Pesquisas e a observação política indicam que em torno de 40% escolheram votar no capitão. Os demais, contra o PT.
Os que escolheram Bolsonaro, obviamente, integram a direita, e especialmente nos valores morais, religiosos e de costumes. Mas é possível dizer, com boa margem, que a minoria desses eleitores faz parte da direita extremista, essa que fechou estradas e ainda quer melar as eleições.
Os demais, maioria desse grupo, votou Bolsonaro por falta de outra opção firme à direita.
Se essas observações estiverem corretas – e, claro, acredito que estão – o bolsonarismo raiz é uma pequena fração do eleitorado brasileiro. Nesse caso, fora da Presidência, Bolsonaro volta ao baixo clero, de onde só saiu por uma combinação de acidentes históricos.
Simplesmente, não é possível aceitar que existam no Brasil 58 milhões de direitistas radicais. Mesmo entre os 25 milhões, mais ou menos, que escolheram o capitão, não é possível aceitar que sejam todos fascistas, golpistas.
Dirão: mas fecharam estradas e ainda fazem manifestações.
Não funciona. Um punhado de caminhoneiros mais os baderneiros que não têm mais o que fazer podem interromper uma via.
Tudo considerado, os eleitores de direita – os não extremistas – vão procurar outros candidatos. Já têm pelo menos dois à disposição, os governadores Romeu Zema e Tarcísio de Freitas.
Mas o episódio Bolsonaro não termina aí. O fato é que houve uma tentativa – meio tabajara, mas ainda assim uma tentativa de golpe. Houve organizadores e financiadores. Têm que ser apanhados.
Agora, Lula. Também não são todos dele os 60 milhões de votos que obteve no segundo turno. De novo, pesquisas e observações indicam que metade escolheu Lula e a outra metade votou contra Bolsonaro. Nessa segunda metade estão, inclusive, figuras ilustres que deixaram claro sua opção: Bolsonaro é o risco maior para a democracia.
Vai daí que Lula tem um enorme desafio pela frente, se quiser mesmo aposentar-se com um bom governo que deixe em segundo plano, na história, os erros do passado – aqui incluídas a corrupção e a desastrosa gestão econômica.
Para isso, não poderá governar só com o PT, nem só para seus eleitores fiéis. Precisa formar uma verdadeira frente ampla e criar um ambiente de credibilidade na política econômica, esta uma questão chave.
Quase todo mundo no centro político, tanto à esquerda quanto à direita, aceita que Lula aumente os gastos e fure o teto em 2023 para atender compromissos – especialmente o novo bolsa família e o reajuste do salário-mínimo.
Mas a concessão dessa licença tem contrapartida: a definição de um ministro da Fazenda e, sobretudo, de uma equipe econômica que transmita credibilidade aos agentes internos e externos. Por agentes econômicos, incluímos aqui todos que tomam decisões no dia a dia: comprar, poupar, investir, tomar financiamento. Isso depende da confiança de que se terá um ano de gastança, seguido de vários anos de equilíbrio fiscal e monetário.
Claro que o público não está atento a essas questões de superávit primário ou rigor fiscal. Mas perceberá quando o aumento do déficit e da dívida pública gerar mais inflação, mais juros e menos atividade/empregos.
A gestão econômica puramente petista, do segundo mandato de Lula e do mandato e meio de Dilma, deixou inflação, recessão e estatais quase quebradas. Isso está na lembrança de investidores nacionais e estrangeiros.
Tudo considerado, Lula só conseguirá completar esse movimento – sair de sua bolha e avançar para a maioria no centro – se tocar uma administração econômica como a de seu primeiro mandato. Isso quer dizer: um ministro petista, político, moderado, que monte uma equipe responsável no equilíbrio das contas públicas e na derrubada da inflação.
Não vai ser fácil. O erro traz a direita de volta.