A Rússia é culpada – sem adversativas
Carlos Alberto Sardenberg
Como não dá a menor atenção para questões ambientais, sociais e de sustentabilidade, o presidente Putin não percebeu a enorme mudança ocorrida nas corporações privadas ocidentais: a era da responsabilidade social. E assim cometeu o maior erro de cálculo de seu ataque à Ucrânia: não imaginou que as grandes multinacionais, envolvidas em negócios bilionários com o governo e empresas russas, pudessem aderir de maneira avassaladora às sanções contra a Rússia.
Todas essas multinacionais estão perdendo muito dinheiro. A Embraer, por exemplo, informou que não vai mais prestar assistência aos 30 aviões que voam na Rússia. Nem assistência técnica, nem fornecimento de peças. Logo, deixa de receber dólares por um serviço.
A BP simplesmente cancelou sua participação no capital de empresas petrolíferas russas – assimilando uma perda patrimonial de US$ 25 bilhões e perdendo acesso a importantes reservas de óleo e gás.
Por que fazem isso? Porque, no mundo corporativo contemporâneo contam muito os valores éticos, a responsabilidade com o público e a sociedade.
Muita gente dizia que isso de ESG – Environmental, social and governance – era puro marketing. Uma enganação para parecer politicamente correto.
Mas o verdadeiro cancelamento que as multinacionais impuseram aos negócios com a Rússia tiveram efeitos devastadores. As ações das 11 maiores empresas russas listadas na bolsa americana Dow Jones viraram pó. Uma queda de 98%!
Perderam riqueza empresas e pessoas russas, mas também empresas e pessoas do mundo ocidental.
As sanções de governos eram esperadas. Mesmo assim foram mais fortes do que se imaginava e podem escalar com a proibição total de importação de petróleo e gas russos. A adesão tão completa das multinacionais – às vezes, mais forte do que as governamentais – é a parte nova desta história.
Assim, o isolamento global imposto à Rússia é uma atitude ao mesmo tempo geopolítica e moral. É para dizer: não, a Rússia não pode invadir a Ucrânia e ponto final. A Rússia é a criminosa, a Ucrânia, a vítima. E a ordem jurídica internacional, tal como definida na Carta da ONU, também é vítima. A Rússia viola escandalosamente o princípio de integridade territorial.
São inteiramente equivocadas as análises segundo as quais a Rússia se sentiu ameaçada pelo avanço da União Europeia e da OTAN na direção do Leste europeu, dos ex-satélites soviéticos.
Sei que gente bem intencionada diz isso. Ainda assim, é um grave equívoco. E, sim, equivale a dar razão a Putin.
O fato é que a Rússia não estava sob nenhuma ameaça militar. O que estava e está se desfazendo é a ideologia sustentada por Putin, segundo a qual os valores ocidentais – liberdade individual, direitos de minorias, imprensa e partidos livres e o modo ESG – estavam em colapso.
A tremenda reação do Ocidente provou o contrário. Assim, pessoal, nada de adversativas, nada de “mas, porém”.
Compreendo que muita gente não gosta de ver que o Ocidente está do lado certo desta. Como Lula. Ele disse no México que os presidentes “envolvidos” deveriam cessar a guerra.
“Envolvidos” – eis uma expressão marota, para dizer o mínimo. Você pode estar envolvido num acidente… como vítima dele.
A Ucrânia está envolvida na guerra, mas é o cúmulo do mau caráter pedir que ela, Ucrânia, cesse a guerra. E entregue tudo para Putin?
Também é equivocado – e maneira indireta de dar razão a Putin – dizer que é perigoso acuar o ditador russo. Trata-se do contrário: é perigoso para o mundo deixar que Putin execute seu imperialismo criminoso sem qualquer oposição.
Finalmente, os países do Leste europeu que aderiram ou estão aderindo à União Europeia e à OTAN o fizeram livremente. Nem precisa pensar muito para entender por que o fizeram: você preferiria aliar-se a uma Europa democrática e rica ou a uma ditadura imperialista?
Também não se pode deixar de notar como as posições de Lula e Bolsonaro se aproximam. Ambos se recusam a dizer que a única culpada é a Rússia.
Já não deveríamos nos espantar com isso.
Só as sanções podem levar o povo russo a deter Putin.