Fora da realidade
Carlos Alberto Sardenberg
Que o presidente Bolsonaro não tem a menor noção dos principais assuntos nacionais, já se sabia. Mas a ignorância revelada no comentário sobre as bandeiras tarifárias na conta de luz é avassaladora. Deveria ter causado uma confusão enorme nos meios econômicos e políticos, mas está passando batido. O pessoal sabe é ignorância, apenas uma bobagem.
Foi o seguinte: o presidente se queixou das agruras de governar – como se ele pegasse no batente – e comentou que havia sido muito duro colocar a conta de luz na bandeira vermelha, que aumenta o custo.
Errado. A Agência Nacional de Energia Elétrica, Aneel, está aplicando uma espécie de bandeira extraordinária, de “escassez hídrica”, desde 1º. de setembro, com vigência até 30 de abril de 2022. Aumenta R$ 14,20 por 100 kWh, sendo a mais alta.
O objetivo: financiar a energia mais cara fornecida pelos usinas termoelétricas, hoje utilizadas intensamente devido à falta de água nos reservatórios das hidrelétricas.
Reparem que a vigência foi estendida até abril do ano que vem, justamente porque é preciso esperar todo o próximo período de chuva para verificar se o nível dos reservatórios se normaliza.
Mas o presidente Bolsonaro entendeu, mal, que as recentes chuvas, esparsas, bastavam. Assim ele disse que ia determinar ao ministro da Energia, Bento Albuquerque, que voltasse à “bandeira normal”.
Primeiro, não existe bandeira normal. Existem as verde, amarela, vermelha patamar 1 e vermelha patamar 2. Só a primeira, verde, não inclui acréscimos na conta do consumidor e é aplicada quando as condições hídricas são totalmente favoráveis. As demais somam valores crescentes à conta.
Segundo, não é o ministro que determina isso, mas a Aneel, uma agência reguladora que deveria ser independente. Mas com o governo aparelhado, digamos que a palavra do presidente pesa mais.
Mas o que faria a agência? Desceria da bandeira “escassez hídrica” para a verde, que parece o mais próximo do normal?
Isso seria desmentir tudo que os órgãos técnicos do setor, governamentais e privados, têm dito: que a falta de água é severa e duradoura. E que por isso a conta de luz tem que ser mais cara para financiar as termos.
Voltar para a verde faria com que geradoras e distribuidoras vendessem energia abaixo do custo, sofrendo enorme prejuízo – exatamente como aconteceu com a tal Nova Matriz Energética de Dilma Roussef.
O que vai acontecer? Provavelmente o que já aconteceu outras vezes: esquecer o que presidente falou.
Assim como não se levou a sério a declaração de Bolsonaro que estava “com vontade” de privatizar a Petrobras. Não por razões de política econômica liberal, mas para se livrar da “culpa” pelos aumentos seguidos dos combustíveis.
Outra bobagem. Mesmo que o setor fosse totalmente privado, as pessoas cobrariam do governo o controle de preços dos combustíveis.
Além disso, privatizar não é assim por vontade. Trata-se de um longo e complexo processo jurídico e econômico, que leva mais de ano, e isso se houver vontade política.
Mas faz bem a vontade do presidente: livrar-se de todas as estatais e outros órgãos para não ter a chateação de governar.
Já o ministro da Economia, Paulo Guedes, acha que está governando – e bem. Disse ontem mesmo que a recuperação brasileira está em V – subida forte depois da queda causada pela pandemia.
No mesmo dia, o Banco Central informou que o Índice de Atividade Econômica (Ibc-Br) caiu 0,15% em agosto. Na comparação anual, há uma recuperação, já que a base de comparação é a paradeira de 2020. Mas olhando os gráficos, claramente não é um V, e sim o símbolo da raiz quadrada – um achado do economista André Perfeito. Indica uma volta depois da queda, mas em seguida “andando de lado” – e desacelerando conforme dados recentes.
O que está subindo mesmo como um foguete é a inflação de 12 meses medida pelo IPCA. Foi de 1,90% em maior de 2020 para os atuais 10,25%. Em consequência, a taxa de juros sobe na mesma direção.
Os fatos são desagradáveis, não é mesmo?