A ESCOLHA DE BRASÍLIA

Melhor do que a busca de eficiência é conseguir um lugar ao lado do poder

Faz algum tempo que a indústria farmacêutica brasileira espera uma redução de impostos na produção de medicamentos essenciais para câncer, hipertensão, diabetes, colesterol, entre outras doenças. No início do ano, o pessoal do setor recebeu a informação de que o decreto estava quase pronto. Mas nada. A farmacêutica não foi considerada prioritária pelo governo, ao contrário, por exemplo, da automobilística, especialmente beneficiada, e de diversas outras que foram desoneradas dos 20% de contribuição previdenciária sobre a folha de salários.

E entretanto, é difícil imaginar algum setor mais importante para a população do que a produção de remédios. Na verdade, como ocorre em outros países, esse setor deveria estar na primeira fila da isenção/redução de impostos.

Por que não está? Talvez porque não tenha pátios cheios para mostrar ou um bom loby empresarial e sindical. E porque o governo precisa de dinheiro.

A despesa pública continua aumentando, e pesadamente, de modo que o governo precisa arrecadar cada vez mais para pagar essas contas. Assim, nem todos podem pagar menos impostos e sempre é preciso compensar as reduções concedidas aos amigos do rei.

O resultado: caem os impostos para alguns, aumenta a carga para o conjunto da economia. Isso é um grave entrave ao crescimento.

Sem contar a arbitrariedade política na escolha dos que ganharão benefícios. Essa prática distorce a atividade econômica e derruba a competitividade, pois o sucesso não depende da eficiência mas das pontes com Brasília.

Investimentos atrasados

E parece que vem mais arbitrariedade por aí. Os investimentos da Petrobrás, sobretudo no pré-sal, estão atrasados porque a estatal encontra problemas na aquisição de sondas, plataformas e navios. O governo impõe uma exigência de pelo menos 55% de conteúdo nacional nesses equipamentos. Os fabricantes nacionais não dão conta. Não conseguem entregar, quando entregam o fazem com atraso e sempre com preços maiores do que o inicialmente contratado e muito maiores do que o importado.

Como isso prejudica investimentos essenciais, informa o jornal Valor Econômico na última sexta, o governo pretende relaxar a exigência de nacionalização. Mas não para todos. Será de forma seletiva.

Já viu.

Inaceitável para quem?

O presidente da França, François Hollande, considera &#147inaceitável&#148 que um país possa se financiar pagando juro zero e outro tenha de morrer com 6,5%. Aquele &#147um&#148 é a Alemanha, cujo governo, outro dia mesmo, vendeu títulos da dívida, na verdade, a juros negativos. A taxa foi zero &#150 ou seja, o investidor aplicou mil euros e, ao final de um ano, receberá mil euros. Descontando uma inflação de 2% ao ano, o aplicador perdeu dinheiro para ficar com os papéis alemães.

Mais inaceitável ainda, diria Hollande.

Mas inaceitável para quem? Para os alemães, está tudo muito bem, não é mesmo?

O &#147outro&#148 país é a Espanha, cujo governo só vende títulos quando paga os tais juros acima de 6% ao ano. Inaceitável? Como retórica, pode ser. Na prática, os espanhóis têm sido obrigados a aceitar essa taxa pela simples razão de que precisam do dinheiro para continuar financiando sua dívida.

O problema, diria Hollande, é a desigualdade, uns pagando nada, outros tendo de pagar muito. Ele usou a Espanha como exemplo para não cair no pessoal. Lá no fundo, o presidente francês também considera inaceitável que seu governo tenha que pagar mais do que os alemães.

Na última sexta, o mercado aceitava títulos de dez anos do Tesouro alemão para receber juros anuais de 1,17%. Do Tesouro francês cobrava 2,23%, o dobro!

Julgamento moral à parte, por que funciona daquele jeito? É simples. Quanto maior a segurança do investimento, menor a rentabilidade. Qual o risco de não receber o dinheiro emprestado para os alemães? Zero. Já para a Espanha…

Na verdade, quem compra títulos espanhóis não acha que o país vai quebrar ou, pelo menos, não acha que isso vai acontecer daqui a pouco. Se achasse, não compraria, não é mesmo? Mas sabe que há risco real de acontecer alguma coisa &#150 a dívida do governo é muito elevada, há dificuldades para reduzi-la e os bancos espanhóis carregam créditos de difícil recebimento.

Assim, o investidor quer um prêmio para correr esse risco. Do mesmo modo, ninguém acha que a França vai quebrar, mas todo mundo sabe que a sua situação é pior do que a da Alemanha.

O país de Angela Merckel tem as contas arrumadas, é poupador , tem superávit no comércio externo. É austero, portanto.

Mas austeridade não é nada, diria Hollande, é preciso crescer.

Perfeitamente, responderia, Merckel. E exibiria os números: a Alemanha cresceu mais de 3% nos últimos dois anos, simplesmente o ritmo mais forte entre os países ricos. A França nem chegou a 2%. Neste momento em que toda a Zona do Euro cresce nada ou já está no negativo, é a Alemanha que salva algum crescimento.

Ou seja, ao usar o argumento moral e considerar injusto que alguns paguem mais, Hollande quer ser tratado como alemão ao vender seus títulos, mas continuar sendo francês ali no dia a dia: trabalhando menos horas, ganhando mais e se aposentando mais cedo.

Aí fica inaceitável para os investidores. Abutres, diria, Hollande.

Até pode ser, mas a saída é fácil para o presidente francês. Basta não ir a mercado, não vender títulos do Tesouro. Só que aí precisaria fazer um baita corte de gastos públicos para viver exclusivamente da arrecadação de impostos.

Resumindo: Hollande quer o dinheiro dos investidores, mas nas condições, e nos juros, que ele considera aceitáveis.

Não vai colar.

Publicado em O Estado de S. Paulo, 04 de junho de 2012

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