Brigar com os bancos dá votos. E os juros?
O recado da presidente Dilma para os banqueiros, via ministro Guido Mantega, é simples e direto: vocês têm que cortar lucros e transferir ganhos para os clientes na forma de juros menores. (E também, acrescentam os sindicatos de bancários, pegando carona na onda de pressão sobre os seus patrões, com aumento de salários).
Mas fiquemos com os juros. Segundo o ministro, os bancos privados podem reduzir as taxas imediatamente, como fizeram o BB e a Caixa, sem que o governo tome qualquer medida.
O que seriam outras medidas? Para fugir das irritações e broncas, convém dar uma olhada nos números. Estão, por exemplo, no site do Banco Central (bcb.gov.br, seção Economia e Finanças, estudo Juros e Spread Bancário).
Ali se vê que, conforme dados consolidados até 2010, que o spread bancário (a diferença entre aquilo que o banco na captação do dinheiro e o que cobra no empréstimo a pessoas e empresas) é formado por:
. Custo administrativo (o funcionamento da máquina, incluindo pessoal): 12,56%
.Inadimplência (calotes e atrasos, que levam a perdas e obrigam as instituições a fazer provisões para operações mais arriscadas): 28,74%
. Compulsório (o dinheiro que os bancos são obrigados a depositar no BC e que, claro, reduz a capacidade de oferta): 4.08%
. Impostos: 21,89%
. Margem líquida, o lucro propriamente dito dos bancos: 32,73%. (Estimativas para 2011 mostram pequenas alterações nessa divisão).
Isso quer dizer que numa taxa de juros de 50%, os banqueiros embolsam 16,35%. Numa hipótese limite, com lucro zero, aqueles juros poderiam cair de imediato para 33,65% ao ano.
Por outro lado, se o governo zerasse impostos e compulsórios, aquela taxa de juros cairia para 37%. Se, além disso, o governo tomasse medidas para reduzir o risco de inadimplência, como a regulamentação do Cadastro Positivo, os juros ao consumidor poderiam chegar ao mesmo nível que chegariam com o lucro zero dos banqueiros.
E, claro, se fossem aplicadas todas essas hipóteses, o spread seria formado apenas pelos custos administrativos e o risco, já bem menor. Considerando que o BC deve reduzir a taxa básica de juros para 9%, sendo este o custo que os bancos pagam pelo dinheiro, o empréstimo para o cliente na agência poderia sair por uns 18% ao ano ? ou um pouco mais, 20%, digamos, se o pacote de bondades incluísse um reajuste salarial para os funcionários, que elevaria o custo administrativo.
Comparando com as taxas de hoje, seria um extraordinário ganho para pessoas e empresas. O crédito certamente teria um aumento dramático e, consequentemente, o consumo ? o que, aliás, poderia vir a ser um problema para o BC. De todo modo, comparando com outros países, ainda seriam juros muito elevados. Isso mostra como a taxa básica do BC, os 9%, continuam sendo muito altos. Nas economias estáveis, esse número vai de zero a 5%. E o nosso Banco Central já indicou que não dá para reduzir abaixo dos 9%, entre outras coisas por causa do piso definido pelo rendimento da poupança.
Tudo considerado, o governo tem, sim, responsabilidade nos juros altos. Uma delas, por exemplo, é justamente recusar-se a mexer na poupança em um ano eleitoral.
Entretanto, Mantega afirma que o governo já fez muito, de maneira que seria a vez dos banqueiros meterem a mão no bolso. De fato, o BC recentemente reduziu a sua taxa de 12,5% para 9,75% e vai derrubar um pouco mais. Também, nos últimos anos, caíram os compulsórios. Em 2004, esse item tinha um peso de 9,4% no spread total. Hoje, em torno de 4%.
Por outro lado, os impostos subiram fortemente. Em 2004, conforme o mesmo estudo do BC, pesavam o equivalente a 15,6% no spread. Hoje, 21,9%.
E daí? ? se diz em Brasília. O governo precisa do dinheiro para seus programas. Logo, é a conclusão, os banqueiros é que já estão muito ricos e podem abrir mão de parte de seus ganhos.
(Há uma ressalva aqui: os grandes bancos privados têm ações em bolsa, de modo que a redução dos dividendos avança no bolso não apenas dos donos, mas de milhões de acionistas. Mas deixe isso para lá, por ora).
A presidente Dilma está certa quando diz que derrubar juros é o seu Plano Real. De fato, depois de todo o processo bem sucedido de estabilização econômica, ficaram alguns problemas graves. Um deles está nos juros.
Mas atirar no lucro dos bancos não vai resolver a natureza do problema. Reparem o que acontece com o Banco do Brasil e a Caixa. A presidente determinou que baixassem suas taxas, o que fizeram. Como os demais fatores que incidem nos juros não serão mudados, segundo afirmou Mantega, os bancos públicos só conseguirão isso reduzindo seus lucros. Como mesmo os estatais não podem ir ao lucro zero, há limites.
Reduzidos, os juros mais baixos, para clientes muito bons, em crédito para automóveis, portanto, com garantia firme, sairão por uns 15% ao ano, mais taxas. É só um pouco menos do que se cobra hoje.
Já no cheque especial e no cartão de crédito, os bancos públicos fizeram reduções expressivas, o que é muito importante para forçar para baixo a concorrência. De fato, os bancos se fartam de ganhar dinheiro nessas duas modalidades, cujos juros são simplesmente escandalosos. Mas essa é uma só parte do sistema ? e não a mais importante.
É provável que os bancos privados, que não gostam de brigar com o governo, cedam às pressões e façam reduções moderadas nas suas taxas. Entregarão uma parte do lucro para evitar problemas políticos.
A presidente Dilma poderá, então, cantar vitória. Mas os juros continuarão muito elevados, um obstáculo ao crescimento, se ela, presidente, não liderar uma política que ataque as causas estruturais. Entre estas, estão os pesados gastos públicos, que exigem impostos elevados e uma dívida alta, cujo financiamento só se faz com juros altos.
Mudanças na legislação também são necessárias, para dar mais garantia ao crédito. Entre estas, o Cadastro Positivo, relação dos bons pagadores, aprovado no Congresso em junho de 2011, depois de 12 anos tramitando, e até agora aguardando regulamentação do governo federal.
Publicado em O Estado de S. Paulo, 16 de abril de 2012