COMO GANHAMOS UMA COMPANHIA AÉREA

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Mas esse gringo é brasileiro

Carlos Alberto Sardenberg

A notícia foi muito bem recebida por aqui: o empresário David Neeleman, que já fundou três companhias aéreas nos EUA, uma das quais a revolucionária JetBlue, vai criar a quarta, agora no Brasil. Além do dinheiro próprio que traz dos EUA, Neeleman recolheu mais investimentos externos, de George Soros e de um fundo de São Francisco, o Weston Presidio, aos quais se juntarão, minoritariamente, acionistas brasileiros.
Portanto, o que temos? São capitalistas estrangeiros desembarcando no Brasil para competir no mercado local, que é um duopólio, controlado pela Tam e Gol/Varig. Logo, é de fato boa notícia, sobretudo porque a nova companhia vai voar com jatos da Embraer, desprezados pelas empresas brasileiras.
Não poderia ser melhor exemplo dos efeitos positivos dos investimentos estrangeiros. O negócio de Neeleman traz capital, tecnologia, expertise, encomendas para empresas locais, gera empregos e cria uma competição que vai beneficiar todos os passageiros.
Mas, esperem um pouco. Isso pode? Lembrem-se, a lei brasileira, para proteger o mercado da invasão predatória dos imperialistas, determina que só brasileiros podem ser donos de companhias aéreas e que os estrangeiros podem ter no máximo 30% do capital.
Na empresa de Neeleman será o contrário, os brasileiros terão menos de 30%.
Ilegal, não fosse um detalhe.
Lá atrás, os pais de David Neeleman passaram um tempo no Brasil e aconteceu de o menino nascer no Rio de Janeiro. Um acaso, mas quem nasce no Brasil é brasileiro.
Mas David é também norte-americano. Na verdade, é essencialmente norte-americano. Fez sua vida nos EUA, abriu seus negócios lá, ganhou dinheiro lá, nunca teve atividade empresarial no Brasil.
Do ponto econômico, digamos assim, a questão não deixa dúvidas: trata-se de um empresário estrangeiro que traz dinheiro de fora para entrar num negócio reservado a brasileiros. Só é legal por acaso, o que evidencia o absurdo da situação e da lei.
Imaginemos que os pais de David tivessem decidido ter o filho nos EUA, lá perto de sua família, e que a história posterior seguisse exatamente a mesma. Teriam voltado ao Brasil com o bebê, que cresceria pelo Rio de Janeiro nos primeiros anos e depois seguiria para tocar a vida e os negócios nos EUA. Teria feito tudo exatamente igual, três companhais aéreas, a JetBlue, e teria inclusive mantido interesse e afeição pelo Brasil. E aí resolveria fundar sua companhia aérea brasileira.
Não pode, diriam nossas autoridades, o senhor é um gringo e não pode vir aqui tomar mercado de nossos compatriotas.
O país ficaria sem todos os benefícios óbvios que a nova companhia vai trazer. E quantos outros bons negócios estará perdendo por conta desses acasos e da lei?

Saindo da crise
Mercado e analistas prestaram atenção a dois pontos das declarações feitas na semana passada por Ben Bernanke, presidente do Federal Reserve, Fed, o banco central dos EUA. O primeiro: a economia americana pode já estar em recessão. O segundo, o Fed colocou fiscais dentro dos quatro maiores bancos de investimentos, sinalizando que o banco está muito preocupado com a saúde das instituições.
Mas há um terceiro, que aponta para o futuro. Bernanke disse que a maior parte dos ajustes já foi feita, que as políticas dos BCs e dos governos estão na praça e funcionando, de tal modo que o ponto agudo da crise pode ter ficado para trás. Observação que permitiu a Bernanke comentar que a economia americana pode se recuperar a partir do final deste ano.
Carros: tem para todos?
Os números divulgados na semana passada confirmam: a indústria automobilística continua bombando.
Conforme os dados da Anfavea, no período de janeiro a março deste anos as vendas de veículos foram 31,5% superiores às do primeiro trimestre do ano passado. Chegaram a quase 650 mil veículos.
Questão: a produção vai dar conta?
Entrevistei na CBN o presidente da Fiat da América do Sul, Cledorvino Bellini, e ele garantiu: ?dêem-nos mercado que nós entregamos os carros?.
Ano passado, a indústria automobilística produziu cerca de 3 milhões de veículos, o que excedeu as previsões do setor.
Idem para 2008. O pessoal achava que as vendas continuariam em alta, mas não no ritmo fortíssimo de 2007. Pois está ainda mais acelerado.
Assim, logo, logo, a indústria atinge a capacidade instalada, atualmente em torno de 3,5 milhões de unidades/ano.
Segundo Belini, com utilização de três turnos, introdução de novos robôs e novas tecnologias, as atuais fábricas estão tendo sua capacidade ampliada.
Mas não estão sendo iniciadas novas plantas. A Fiat, por exemplo, acredita que atende seu mercado com as duas atuais plantas brasileiras, sendo a principal a de Betim, e a de Córdoba, na Argentina, que estava fechada e foi reaberta.
Parece que o pessoal do setor está meio desconfiado. Vai que eles iniciam as novas plantas e o mercado desacelera ou mesmo cai? Ronda por aí o fantasma da segunda metade dos anos 90. Entusiasmadas com o crescimento do mercado no pós-Real, em 1995, as montadoras investiram pesado e criaram a capacidade de produção de 3,5 milhões unidades/ano.
E o mercado despencou. Para se ter uma idéia, só no ano passado produção e vendas bateram o recorde de 1996.
Mas se esperar muito, vai ter demanda demais.
Eis porque o Banco Central vai acabar aumentando os juros. A produção cresce, os investimentos em máquinas idem, mas o consumo, turbinado a crédito, cresce ainda mais depressa.

Publicado em O Estado de S.Paulo, 07 de abril de 2008

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