. Tudo bem
Domingo, 2 de março, um enorme congestionamento na rodovia SC-405, que leva do sul de Florianópolis ao aeroporto da Ilha da Magia. Vem um carro da Polícia Militar no sentido contrário, pergunta-se o que houve mais à frente. Resposta: nada demais, é o congestionamento da volta das praias.
Normal, e tanto que não havia um policial sequer num triplo cruzamento logo em seguida à saída do Campeche. Depois de dias seguidos de chuva, havia aparecido um belo sol, o pessoal se animou. Mas o pessoal local, pois não era semana com feriado. No auge da temporada, aí sim, houve mais e mais longos congestionamentos com os carros de fora, por toda a ilha. Normal também, afinal Floripa é uma cidade de turismo, que passa bombando por dezembro e janeiro.
Já o aeroporto da ilha não está nem perto do minimamente aceitável para uma cidade de turismo internacional. Aí já não é normal, admitem autoridades da cidade. Explicam: há projeto para um novo aeroporto, definido há bastante tempo, mas não consegue sair das licenças ambientais. Aliás, mesmo problema da avenida expressa que deveria levar do norte e do centro da cidade até o aeroporto. Parcialmente concluída, a via também parou em questões ambientais.
Na semana de trabalho em São Paulo, a maior cidade do país quebra três recordes de congestionamento. Também, o que queriam? A economia vai bem, o pessoal ganhou emprego e poder aquisitivo, o fim da inflação permite crediários mais abundantes e mais longos ? a venda de carros está bombando também. Com 700 veículos novos licenciados ao dia, está claro que vai dar em congestionamento.
Quinta-feira em Ribeirão Preto, que é simplesmente a capital mundial do negócio cana/refinarias/açúcar/álcool, além de ser um centro acadêmico internacional. O aeroporto é ridículo, muito inferior ao de Floripa. O problema? Adivinharam: tem projeto, tem até verba do governo estadual, mas não tem as licenças. Um dos problemas: há uma área de vegetação preservada ao lado, que foi invadida por centenas de famílias. Mais ou menos como a invasão da área que estava reservada para a terceira pista do aeroporto de Guarulhos.
E por falar em tráfego aéreo, o caos continua, sim senhor. A diferença é que as pessoas se acostumaram. Na quinta-feira passada, fim de tarde, o que mais se ouvia no saguão de Congonhas era o aviso: atenção passageiros do vôo tal, devido ao atraso na chegada da aeronave, seu embarque foi transferido para…
Chama a atenção a paciência dos passageiros. Atrasos de 60 minutos são considerados normalíssimos, praticamente no horário, uma sorte mesmo. As pessoas que viajam a serviço já incluem essa hora extra na definição das agendas. E mais o tempo do congestionamento, se o trabalho é em São Paulo. Reunião às 17 horas na Vila Olímpia? O horário previsto para chegada em Congonhas tem de ser 14 horas, tranquilo. Para segurança, convém comprar duas passagens.
Mais de duas horas e meia de atraso, como o vôo da Gol que saía para Ribeirão Preto, foram recebidas com resignação. Por sorte, tem a internet sem fio. É só ligar o notebook e continuar como se estivesse no escritório. Portanto, estão reclamando do quê?
Eis o Brasil de hoje: a economia forte aumenta o consumo, os serviços, o transporte de mercadorias, as viagens de negócios e de férias. A infra-estrutura não dá conta. Desde a turística, como a de Floripa, até a de negócios, como de Ribeirão Preto e São Paulo.
Quando se diz que a economia brasileira não consegue crescer a mais de 5%, é disso que se está falando. Não apenas faltam aeroportos, estradas, ruas e avenidas. Faltam iniciativas para resolver os problemas. A coisa não ata nem desata.
Há pelos oito anos se fala do novo aeroporto de Floripa e da grande via de acesso. O grande avanço foi a inauguração de um pedaço da via. O que jogo ou congestionamento alguns quilômetros à frente.
Quando se inaugurou Cumbica, há mais de 20 anos ? e que foi um grande avanço ? já se falava do trem expresso ligando o centro da capital ao aeroporto. Há uns dez anos se fala do terceiro aeroporto de São Paulo. A terceira pista de Cumbica foi planejada junto com o próprio aeroporto, para ser construída um pouquinho mais à frente.
Reparem, o único avanço real feito nesse setor foi a reforma de Congonhas, que é obviamente apenas um quebra-galho.
Há pelo menos cinco anos se discute como destravar o aeroporto de Ribeirão Preto.
E o trânsito em São Paulo? Tem-se a impressão de que nada foi feito depois da grande mexida do coronel Fontenelle. O pessoal diz: é que precisa de metrô e metrô custa caro. Até estão fazendo linhas novas, o Rodoanel vai ajudar, mas é óbvio que não vão resolver, dada a velocidade com que entram os novos carros.
Rasgar avenidas, ruas e viadutos? Bate de novo nos problemas ambientais e na falta de dinheiro. Aplicar políticas complementares, como pedágios urbanos, que funcionam em muitas cidades? Politicamente incorreto.
Vai daí, a prefeitura sai com essa bobagem de vistoriar veículos.
E cai no tudo bem. O trânsito não está ruim, é ruim. O país não está atrasado, é atrasado, assim mesmo.
Para comparar: nos últimos cinco anos, a China construiu 192 mil km de estradas, sendo 28 mil de vias expressas. O governo Lula levou cinco anos para licitar meia dúzia de rodovias.
A China instalou 350 milhões de kW nesses últimos cinco anos. Nós aqui recém acabamos de destravar uma grande usina do rio Madeira.
Não é que a gente deve rasgar a legislação ambiental e aposentar todos os promotores e procuradores, mas está evidente que o Brasil travou. E tudo que está travado é do governo.
Tudo bem?
Publicado em O Estado de S.Paulo, 10 de março de 2008