. Marta e Lula Uma semana depois das eleições municipais, ainda se discute se o PT ganhou ou perdeu e por quais motivos teria ocorrido uma coisa ou outra. A verdade, porém, é que nunca se chegará a uma só resposta, pela simples razão de que ocorreram muitas coisas diferentes. Dentro do PT, por exemplo, a ala moderada perdeu na cidade de São Paulo, enquanto o grupo gaúcho, mais à esquerda, perdeu em Porto Alegre. Por outro lado, os moderados ganharam na importante Osasco, tomando a prefeitura do PSDB, enquanto uma ala radical de esquerda levou em Fortaleza. O PT perdeu a cidade de São Paulo, mas ganhou em Osasco, Guarulhos, Santo André e Diadema, áreas expressivas da Região Metropolitana e, em muitos aspectos, com eleitorados parecidos aos da capital. Em resumo, todas as alas do PT ganharam e perderam. Não se pode dizer, portanto, que uma suposta decepção com a política econômica do governo Lula tenha derrotado o PT esquerdista de Porto Alegre. Caso contrário, seria preciso admitir que uma suposta satisfação com essa mesma política teria dado as vitórias na industrializada Região Metropolitana de São Paulo. Lideranças petistas observaram que o partido perdeu eleitorado na classe média, o que explicaria a derrota em São Paulo. Mas por que a classe média de Osasco, Guarulhos e Santo André não teria debandado? O analista político Christopher Garman, da consultoria Tendências, sugere uma explicação bem mais simples. “As derrotas do PT”, diz ele, “eram mais que esperadas e derivam do desgaste de governar”. É muito difícil que um prefeito se reeleja, qualquer que seja o partido, acrescenta o analista. O índice de reeleição está sempre abaixo dos 50% e o PT até foi melhor nesse quesito. O partido de Lula reconduziu ao posto 44% dos seus prefeitos, só um pouco menos do que em 2000, quando obteve 49%. Já PMDB e PFL reelegeram, neste ano, 32% de seus prefeitos e o PSDB, 31%. Tudo normal, portanto. Mas pode-se acrescentar que os resultados do PT foram inferiores ao que o partido esperava. Algumas lideranças chegaram a cogitar da possibilidade de ganhar até 900 prefeituras. Fizeram 411, afinal um bom avanço em relação às 187 de 2000, mas desmerecido pelas expectativas exageradas. Tudo considerado, fica difícil especular sobre as eleições nacionais de 2006 com base nos últimos resultados. Mas é possível especular a partir do modo como o PT e suas principais lideranças lidaram com o pleito. Primeiro ponto a observar: o excesso de confiança com que o partido entrou nas eleições e que o levou a dispensar alianças em muitas cidades. Estava ali um sentimento que o PT exibe desde a estrondosa vitória de Lula. A idéia é a seguinte: o partido demorou a chegar lá porque não fez concessões, manteve seus princípios e sua ética exclusiva, batalhou para dissolver os preconceitos antipetistas e espalhar as novas idéias de mudança. Uma vez feito esse trabalho de convencimento e persuasão, o poder vem fincado em sólidas e duradouras raízes. E que deveriam se espalhar por todo o país – no mínimo 900 prefeituras. Não foi assim. O PT ganhou e perdeu nas maiores cidades e espalhou-se nas pequenas e médias, como normalmente ocorre com todo o partido que tem o poder federal. Isso só foi uma surpresa para as lideranças petistas porque ainda não elaboraram nem consolidaram uma interpretação mais concreta para a vitória de Lula. Está certo que os eleitores distinguem o PT da fisiologia de um PMDB ou PTB. Mas também sabem que há muito prefeito bom nesses partidos e que nenhum político é o máximo só porque pertence ao PT. Ou seja, o mundo não se divide entre os bons do PT e o resto. Em 2002, certamente os eleitores votaram em Lula pela mudança. Mas qual mudança? Cabia ao PT, no governo, definir o rumo dessa mudança. E eis o problema: o rumo mais claramente definido está na base da política econômica – o tripé austeridade fiscal (com superávit primário nas contas públicas), combate severo à inflação com o regime de metas e sistema de câmbio flutuante. Que resulta de uma longa construção nos oitos anos de FHC. A idéia hoje bem espalhada pelo mundo é que todos os governos, de direita ou de esquerda, devem seguir aquele tripé. Depois disso vêm as políticas que distinguem os governos. Por exemplo: gastar mais no social (e qual programa social?) ou nas Forças Armadas, abrir caminho para o empreendimento privado ou aumentar os controles do Estado, abrir ou impor restrições ao comércio externo, proteger mais ou menos as empresas nacionais. Ora, boa parte do PT – e não apenas os radicais da esquerda – entende que a base da política econômica não distingue o PT especialmente do governo FHC. Ora, não distingue mesmo e não é para distinguir. A diferença deveria estar além disso, nos programas sociais. Mas quais as diferenças marcantes nos programas sociais (uma mera ampliação, às vezes piorada, do governo anterior), na educação ou na saúde? Eis o que vem enfraquecendo a administração e o partido. Aquilo que vai bem – a base da política monetária e econômica – ainda não foi absorvido pelo conjunto do PT. E aquilo que distinguiria uma gestão de esquerda não vai bem. Muitos líderes petistas, de diferentes alas, ainda dizem que o governo Lula não pode ser apenas um bom governo, tem de ser um marco, uma forte mudança, com uma cara de esquerda, popular. Os eleitores talvez se contentassem apenas com um bom governo, mesmo porque sabem que não é fácil conseguir isso. Foi mais ou menos o que aconteceu com a prefeita Marta. Foi bem em diversos setores, sobretudo em comparação com seus antecessores. Mas o eleitorado não entendeu que se tratava de uma mudança histórica. Tanto que, mesmo reconhecendo os méritos de Marta, achou que José Serra poderia ser melhor administrador. Não poderia acontecer algo parecido com Lula, em 2006? Publicado em O Estado de S.Paulo, 08/11/04
ELEIÇÕES, DE 2004 A 2006
- Post published:9 de abril de 2007
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