QUEM ATRAPALHA O AGRONEGÓCIO

. Atrapalhando o Brasil que dá certo Outro dia, em Campo Grande, fiquei impressionado com o vídeo da colheita da soja numa fazenda da família de Blairo Maggi, governador do Mato Grosso. Para quem não sabe, os Maggi são os maiores produtores mundiais de soja. E também os mais modernos. Os tratores que colhem a soja avançam numa formação em cunha, um vê invertido. O alinhamento é rigoroso, cada máquina mantendo sua posição ao longo do trajeto pelo campo. Logo atrás, vem outra formação idêntica: são as máquinas que plantam algodão, numa operação conjunta que é uma invenção brasileira, segundo me contaram. Entre uma formação e outra, circulam picapes equipadas com computadores e sistemas de localização, das quais os técnicos coordenam a operação. O evento em Campo Grande tratava do combate à ferrugem asiática, uma praga que veio lá do outro lado do mundo, via Paraguai, e atacou a soja brasileira. Mas já está tudo resolvido por aqui. A Embrapa, laboratórios de universidades e empresas privadas já sabem como eliminar a praga. Dias depois, estive em Caxias do Sul. Assunto: o desenvolvimento da cultura da maçã. Depois, Bahia, soja de novo. Antes, Paraná, para uma reunião do extraordinário pessoal das cooperativas agrícolas e de crédito, que vão da soja à exportação de frangos para a Rússia. Ou ainda um grande encontro de pecuaristas para conhecer um novo tipo de porco, (é isso mesmo), um animal geneticamente desenvolvido, de carne magra, sem colesterol, para exportação. Eis aí, imagens do Brasil que dá certo, o da agropecuária. É de pasmar a quantidade de ciência e tecnologia aplicada que se encontra por aí, utilizadas por grandes e pequenos produtores. É agradável circular pelas boas cidades do interior, ligadas à agropecuária, e, por sinal, fora da pesquisas do IBGE de emprego e renda. E – sabem o que mais? – é globalização. Com a internet, estão todos, produtores e distribuidores, enfiados no mercado internacional, no real e no financeiro. São importadores e exportadores ao mesmo tempo, compram e vendem de sementes a tecnologias. Seus computadores estão plugados nas bolsas nacionais e internacionais, à procura de boas oportunidades de negócios. E o que quer essa gente de um jornalista urbano que, outro dia, quase não passou em um teste para distinguir um boi de uma vaca, à distância, muita distância, é claro? Uma análise da conjuntura econômica e política, é a resposta oficial. Traduzindo: o pessoal quer saber se o outro Brasil, o de Brasília, do governo, dos políticos, da macroeconomia, vai ou não vai. Os produtores têm queixas e preocupações. O custo do dinheiro, por certo, é um problema, mas não o maior. Há cooperativas de crédito e linhas de financiamento favorecidas para o setor. Além disso, faz tempo que os juros são elevados no Brasil – e a agropecuária realizou seu milagre mesmo assim. Já o MST é uma preocupação e tanto. Perguntarão o leitor e a leitora: mas se têm terras produtivas, por que se preocupariam com o MST? É que o Movimento há muito tempo foi além da tese que sustenta a legitimidade da invasão do latifúndio improdutivo. Hoje, o MST considera que pode invadir qualquer fazenda, produtiva ou não, que não cumpra a função social da terra. A Constituição brasileira de fato diz que a propriedade rural deve cumprir uma função social, cujos requisitos são relacionados no artigo 186. Diz ali que a terra deve ser aproveitada de modo racional e adequado, preservando-se o meio ambiente, observando-se as relações do trabalho, tendo em vista o bem estar de proprietários e trabalhadores. Muita coisa cabe aí. Mas o MST decretou que só cumpre função social a pequena propriedade familiar. Todo o resto, especialmente a agropecuária de alta tecnologia e que exporta, é anti-social e deve ser abolida. Portanto, pode ser invadida. Por exemplo: como “ninguém come eucalipto”, dizem as lideranças do MST, todas as fazendas dedicadas à produção de material para as fábricas de papel e celulose não cumprem função social. No geral, o critério permite invadir todas as propriedades rurais. Assim, os produtores modernos, grandes, médios e pequenos, se assustam com a proximidade do MST com o governo federal e alguns governos estaduais. Assustam-se com o fato do Incra ter sido entregue ao MST. Assustam-se quando alguns governos, como o do Paraná, não cumprem ordens de reintegração de posse. O presidente Lula gosta de falar do êxito da agropecuária e não raro o atribui a medidas de seu governo. Pois está brincando com fogo ao ser leniente com os companheiros do MST. Produtores rurais reclamam também das estradas, dos portos e da “ideologia do meio ambiente”. Hoje, a maioria é respeitadora do meio ambiente. Tratam a questão cientificamente, pois sabem que dependem da terra boa e do clima bom. Por isso, por exemplo, se interessam pelos transgênicos, especialmente aqueles pesquisados pela Embrapa, com os quais esperam utilizar menos produtos químicos. Mas reclamam do que consideram o viés anticapitalista e “anti-qualquer coisa grande” do pessoal do meio ambiente, agora no governo federal. Reclamam mais, da demora na solução dos problemas. Os produtores rurais, especialmente os maiores, estão dispostos a investir em estradas, portos e obras ambientais, sozinhos ou em parceria com o governo. Mas querem regras claras para isso. Correm pelo interior do país os casos de obras desse tipo paralisadas ou embargadas por algum tipo de ação do governo ou tolerada pelo governo, como as ações do MST, dos índios, etc. Nesta semana, o presidente Lula vai lançar, com estardalhaço, o Plano Agrícola e Pecuário. Faz bem. Mas vai mal quando não vê as queixas e preocupações políticas e institucionais do Brasil que dá certo. Publicado em O Estado de S.Paulo, 14/06/2004

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