. Paranóia É meio paranóico, mas é assim mesmo: com relação aos Estados Unidos, o medo é que cresça demais; já no que se refere à China, é que cresça menos. Somando os dois medos, deu uma turbulência danada no mercado financeiro global, como há muito não se via. O caso dos EUA bate na veia do mercado financeiro. A taxa básica de juros, aquela fixada como meta pelo Federal Reserve, é de 1% ao ano, nível mais baixo dos últimos 40 anos. Trata-se, portanto, de uma taxa anormal, negativa (abaixo da inflação), com objetivos muito específicos: debelar os efeitos do estouro da bolha das ações das companhias da internet e de telecomunicações e abreviar a recessão que se seguiu. Funcionou, a economia americana logo voltou a crescer e agora parece estar entrando em ritmo de cruzeiro. Logo, as taxas de juros devem começar a voltar a níveis normais, um pouco acima da inflação que, aliás, já dá sinais de vida. E o que nós temos a ver com isso? Simples: com os títulos do Tesouro americano pagando uma mixaria, os investidores resolveram buscar lucro nos papéis de países emergentes, Brasil incluído. O risco é maior, claro, mas estava compensando, mesmo porque a maior parte dos emergentes, incluído o Brasil de Lula, praticava políticas econômicas ortodoxas. Assim, sobrou dinheiro no mercado internacional, os juros caíram. O risco Brasil – quantos pontos percentuais um papel brasileiro paga de juros acima dos títulos americanos – chegou a ficar abaixo dos 4 pontos, bastante baixo. Pois na semana passada voltou à casa dos 7 pontos, embora tenha terminando um pouco abaixo disso (6,63). Os grandes investidores internacionais, convencidos de que os juros americanos estão definitivamente em rota de alta, resolveram mudar suas carteiras, colocando nelas mais títulos do Tesouro dos EUA. Para isso, venderam emergentes, Brasil incluído. Não quer dizer que zeraram suas posições em Brasil, mas que diminuíram. Era para o risco Brasil disparar tanto assim? Grande parte dos analistas acha que não, quando se olha para os chamados fundamentos. Mas esses mesmos analistas concordam que o mercado global sempre exagera nessas viradas de posição. Se isso é verdade, é manter o sangue frio e aguardar. Mesmo porque o crescimento da economia americana é, em si, uma boa notícia. Se a maior economia do mundo, onde vivem os consumidores mais gastadores do mundo, está em expansão, isso é sinal de que vai importar mais mercadorias e serviços. Significa também que suas companhias estarão mais fortalecidas, buscando oportunidades mundo afora. Em resumo, mais negócios para os parceiros, Brasil incluído. Temos aí, portanto, um caso em que as boas notícias da economia real acabam provocando um tumulto no mercado financeiro. Como sempre prevalecem os fundamentos, convém mesmo esperar que o tumulto se dissolva. Já o caso da China é de más notícias na economia real. Confirmando o que muitos analistas vinham avisando, parece que a máquina chinesa alcançou o seu limite e terá que desacelerar. Isso é um tremendo problema, pois a China de hoje, a capitalista, é uma economia de US$ 1,4 trilhão, muito perto já do volume de uma França ou de uma Inglaterra. Com uma enorme diferença. Se nos países desenvolvidos está quase tudo pronto, na China está tudo por fazer: estradas, portos, siderúrgicas, hidrelétricas, usinas de gás, fábricas de tudo e por aí vai. E os consumidores estão começando a comprar o primeiro carro. (A propósito, as vendas de automóveis cresceram 40% no primeiro trimestre em relação ao mesmo período do ano passado). Assim, os chineses compraram de tudo, de muitos países, Brasil incluído. Os fornecedores, claro, investiram e aumentaram sua capacidade de produção. Assim, se os chineses saem do mercado, é muita gente que fica com a brocha na mão. Sairão? Por enquanto, os analistas falam em desaceleração, o que não seria um desastre. A China tem crescido no estonteante ritmo de 10% ao ano. Se desaquecer forte, ainda se terá crescimento na faixa dos 5% a 6%. E com isso, os chineses continuariam no mercado. Mas também há analistas, como o pessoal da revista Economist, que observam muitas distorções na economia chinesa, incluindo uma montanha de empréstimos podres nos bancos. E crises bancárias são de lascar. Por outro lado, a China acumulou reservas de US$ 440 bilhões, um caixa respeitável para qualquer emergência. Veremos. Muita gente reclama dessas turbulências internacionais. Viram no que dá a globalização? – acusam. Mas se esquecem que boa parte da bonança brasileira dos últimos meses veio de fora, das boas condições do mercado financeiro e do comércio internacionais. É assim a vida. Faz certo quem aproveita as oportunidades e amortece os momentos ruins. Para as duas coisas, é preciso estar com os fundamentos internos em ordem. Não é fácil. Publicado em O Estado de S.Paulo, 03 de maio de 2004
OS EUA, A CHINA E NÓS
- Post published:9 de abril de 2007
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