. E tome susto Quer uma amostra do que será o ano, pelo menos até as eleições de outubro? Dê uma olhada no que acontece por estes dias. Quando se observa a economia real – produção industrial, consumo no varejo, concessão de crédito – tudo confirma um ambiente de recuperação econômica moderada, porém consistente. Observe-se, porém, o mercado financeiro: em 14 pregões, entre 4 e 22 de março, o índice da Bolsa de Valores de São Paulo esteve duas vezes nas cercanias dos 14.400 pontos e outras duas vezes abaixo dos 13.500 pontos. Variações em torno de 9% para cima e para baixo não constituem propriamente um sinal de estabilidade. Dólar e Risco Brasil, este medido pelo índice EMBI+, do J.P.Morgan, exibiram volatilidade semelhante, ainda que, na linha de tendência, se possa encontrar uma inclinação para baixo. De onde vem tal nervosismo, se não é dos relativamente positivos indicadores da economia real? Acertou, do sobe e desce das pesquisas para a eleição presidencial. Bem distante da moderada estabilidade da economia real, aqui a história se dará de susto em susto. É verdade que a Argentina voltou a complicar, mas o contágio permanece quase nulo, o que, en passant, é um dos problemas do vizinho. Se houvesse contaminação no Brasil e outros países da região ou a simples possibilidade disso, a comunidade financeira internacional seria muito mais tolerante com a Argentina. Voltando ao nosso quintal, há diversos sinais interessantes emitidos pela indústria e pelo comércio. Conforme mostra uma elaboração da Tendências Consultoria Integrada, a produção industrial brasileira, dados do IBGE dessazonaliados, cresceu em janeiro último pelo terceiro mês consecutivo. Mais importante, o índice alcançou um número um pouco superior ao verificado em maio do ano passado, momento exato em que a indústria começou a sofrer o impacto do racionamento de energia. Informações recentes capturadas pela Secretaria Especial de Política Econômica do Ministério da Fazenda mostram que algumas fábricas suspenderam provisoriamente a venda de televisores porque já colocaram a produção prevista até abril. Dados das associações empresariais mostram que a produção de aço cresceu quase 4% em fevereiro último, em relação ao mesmo mês do ano passado. A fabricação de carros caiu em números totais, mas aumentou 21% quando se considera a produção média por dia útil. As remessas de papelão ondulado – indicador crucial, pois se as empresas estão comprando papel de embalagem é porque têm mercadoria a entregar – caíram 0,7% no mês passado em relação ao mesmo período de 2001. Mas a queda tem sido progressivamente menor. Sem esquecer que a economia estava muito aquecida – e muito otimista – no início do ano passado. O Índice de Intenções do Consumidor, importante indicador antecedente apurado pela Federação do Comércio do Estado de São Paulo, está em alta desde dezembro último. Em março agora, chegou a 98,3 pontos, apenas um pouco abaixo do índice de maio do ano passado (101,2 pontos). A escala vai de 0 a 200, de modo que abaixo de 100 pontos revela um consumidor pessimista ou cauteloso. No primeiro mês depois do racionamento de energia, junho de 2001, o índice caiu a 81,8 pontos. Esboçou alguma reação no início do segundo semestre, para ser abatido junto com as torres gêmeas do World Trade Center. Mas a partir de dezembro, repetindo um comportamento que se verificou nos Estados Unidos e no mundo todo, o pessoal se recuperou do trauma dos atentados. Dados do varejo confirmam o ânimo do consumidor. As consultas ao Serviço de Proteção ao Crédito, que medem as vendas a prazo, estão em alta desde novembro. Esse índice da Associação Comercial de São Paulo bateu no fundo do poço em outubro de 2001, com a média de 54.163 consultas diárias, sempre dados dessazonaliados. Em fevereiro deste ano, foram 70.794 consultas/dia, tendo ocorrido um salto de mais de 11% em relação a janeiro. Trata-se de efeito antecipado do fim do racionamento e do início da queda dos juros. Claro, não faltam indicadores que mostram problemas. Ou seja, também se pode ver o copo meio vazio. Um número importante a observar refere-se à renda das pessoas ocupadas, que permanece deprimida, resultado do péssimo ano de 2001. Nesse período, a massa salarial real caiu 3,1%, praticamente devolvendo o ganho do ano anterior (+ 3,6%) e assim voltando ao nível de 1999, da crise da desvalorização, quando a perda foi de expressivos 4,8%. No item rendimento real médio, os números são piores. Queda de 3,9% em 2001, enfileirando assim três anos de perdas (- 0,10% em 2000 e – 5,10% em 1999). Já o número de pessoas ocupadas aumentou ligeiramente no ano passado, mais 0,6%. Conforme notam os estudos da área técnica do BBV Banco, a combinação desses dados mostra que as empresas cortaram custos mais pela redução dos salários do que pelas demissões. A propósito, isso revela que funcionaram bem os acordos de flexibilização das normas trabalhistas, especialmente aqueles que fixaram bancos de horas e redução da jornada com redução da remuneração. Indica também que as empresas, neste momento, podem aumentar a produção sem contratar, bastando colocar a fábrica funcionando por maior número de horas. Haverá aí um ganho de remuneração, mas ninguém espera nada expressivo. Na verdade, para a maioria dos analistas, haverá uma pequena queda do desemprego, com estabilidade dos rendimentos. Portanto, poder aquisitivo ainda deprimido. Por isso se prevê crescimento moderado este ano, na faixa dos 2,5%. Mais ainda, o BBV Banco lembra que isso poder ser a causa da inadimplência. Consumidor com renda estável em nível baixo e tendo mais crédito à disposição, é um candidato a atrasos. Na verdade, desde o início do ano passado, a inadimplências está aumentando. Segundo dados do Banco Central, em janeiro último, os atrasos acima de 15 dias, de pessoas físicas, chegavam a quase 15% do total um salto de 50% sobre 2001. Para quem vende a crédito, eis aí um alerta. Haverá provavelmente mais recursos para emprestar e mais gente interessada em tomar financiamento, mas a análise dos cadastros deve ser mais rigorosa. Se a economia acelerar, tudo se arranja. É possível. Para o médio prazo, não há problemas maiores com as principais variáveis macroeconômicas. Inflação em queda, contas públicas manejadas normalmente (o governo tem margem de manobra no caso do atraso da CPMF) e contas externas em melhor situação do que ano passado. Os últimos dados mostram que no período de 12 meses encerrado em fevereiro, o déficit das contas externas foi totalmente coberto com a entrada de investimentos diretos. Mas e se o próximo presidente da República vier com a idéia de mudar tudo? Ou mudar qual parte? Eis a inquietação que vai acompanhar a economia nos próximos meses. A campanha de verdade começa em julho, com os programas obrigatórios de rádio e televisão. A experiência mostra que o eleitor fecha seu voto perto da eleição, depois de acompanhar a campanha oficial. A pré-campanha está assim sob o signo das pesquisas e, neste ano, das denúncias. Não definem a eleição, não dizem quem vai ganhar, mas podem derrubar candidaturas, ou as que não decolarem nas pesquisas ou as que foram surpreendidas nas proximidades de algo tão grave quanto uma caixinha de um milhão e 300 mil reais em notas de 50. Mas por trás dessa volatilidade, há pontos permanentes a registrar. Dois a destacar: primeiro, o candidato do governo é competitivo em qualquer circunstância e mais ainda se a economia andar melhor. Exemplo da pesquisa Sensus divulgada na segunda, dia 25: em junho do ano passado, 22,7% dos entrevistados diziam que poderiam votar no candidato de FHC. Em março agora, sem crise e sem racionamento de energia, 42,7%. (22% levam ao segundo turno, 42% dão a vitória). Segundo ponto: o candidato da oposição será tanto mais competitivo quanto mais caminhar para o centro e, pois, para políticas econômicas mais moderadas. Assim, é bastante possível que a eleição termine sem sustos. Até lá, porém, prepare os nervos, especialmente se fracassarmos na Copa. Publicado na revista Exame, edição 763
ELEIÇÕES E ECONOMIA
- Post published:9 de abril de 2007
- Post category:Coluna publicada em O Globo
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