. FOI BOM, PODE CONTINUAR ASSIM O ano de 2000 deixa duas importantes marcas para a economia brasileira, ambas positivas. Primeira: não existe mais indexação inflacionária. Segunda: bons fundamentos internos permitiram passar com tranquilidade pelos problemas externos. Esses dois fatores e mais alguns outros permitem antecipar um 2001 tão bom quanto o ano que passou, com crescimento na faixa de 4% a 5% do Produto Interno Bruto, desemprego em queda, inflação em baixa para 4% e recuperação de renda. Comparando-se com os anos de crise da década de 80 e primeira metade de 90, 2000 e 2001 são realmente excepcionais. Comparando-se com os anos da década de 70 – que registrou crescimento acima de 10% – o momento atual não chega a ser brilhante. É preciso aqui fazer uma ressalva importante. Nos anos 70, a população brasileira também crescia de modo mais acelerado, na faixa de 5% ao ano. Hoje, esse ritmo caiu para 1 e qualquer coisa por cento, de modo que o crescimento do PIB de 4% vale hoje mais do que há 30 anos. De todo modo, há países emergentes crescendo mais depressa que o Brasil. Pode-se, portanto, concluir: o país foi bem, mas pode ir melhor. Como? É a parte final deste artigo. Antes, o balanço de 2000, começando pelo fim da indexação inflacionária. Agora, como em qualquer país estável, os preços sobem quando há causa para isso (porque subiu o preço internacional do petróleo, porque choveu de mais ou de menos e isso estragou a safra agrícola) e depois caem quando as causas cessam. A inflação foi muito baixa no primeiro semestre de 2000, subiu em meados do ano e voltou a cair. Além disso, a alta de preços estratégicos, como de combustíveis, energia elétrica e telefone, não contaminou os demais. Não houve a indexação, aquela diabólica situação na qual o país se enredou por 15 anos, quando um advogado que não tinha automóvel aumentava o preço da consulta porque subira o preço da gasolina. 2000 terminou com inflação na casa dos 6%, conforme o Índice de Preços ao Consumidor Amplo, do IBGE, referência do regime oficial de metas de inflação. O resultado atinge em cheio o objetivo fixado para o ano – os 6%, dispensando-se o recurso à tolerância de dois pontos para cima. Mais importante ainda, a inflação de 2000 é menor do que a do ano anterior, quase 10%, esta influenciada pela desvalorização do real. Em 2000, houve uma desvalorização adicional do real e de novo não ocorreu indexação. Como outros países estáveis, o país saiu de uma pesada desvalorização de sua moeda como tem de sair: uma mudança de preços relativos, apenas com alguns produtos ficando mais caros. Podemos pois cravar: em 2000 ficou provado que a inflação acabou no Brasil. Não quer dizer que não possamos fazer outra. Mas quer dizer que matamos bem matado um enorme dragão. A outra marca importante de 2000 pode ser assim resumida: desta vez, o que aconteceu de bom no país é mérito nosso, o que aconteceu de errado é culpa dos outros lá de fora. É uma enorme novidade, sim senhor, sim senhora: normalmente, pelo menos nos últimos 30 anos, a coisa funcionava ao contrário. Quando ia bem, era sempre por conta de influências externas, já que a situação interna sempre funcionava para atrapalhar. Aos fatos: 2000 foi o segundo ano consecutivo de controle das contas públicas. O governo conseguiu enorme superávit primário, receita menos despesa excluída a despesa com juros. Traduzindo: o setor público está fazendo economia nos seus gastos correntes e com isso tem sobra para amortizar parte dos juros e da dívida. Antigamente como era? O governo gastava mais do arrecadava, ficava devendo a clientes e fornecedores e ainda tinha de tomar empréstimo para pagar juros de dívida antiga. A virada, portanto, é expressiva. E foi consolidada no final do ano com a votação da Lei de Responsabilidade Fiscal – que estabelece rígidos padrões de gasto público – e a Lei de Crimes Fiscais – que pune o administrador que escapar das regras. E agora já são dois dragões abatidos, a inflação inercial e o déficit público. Também podemos voltar ao déficit – e o ano terminou com várias tentativas de assalto aos cofres públicos. Mas a resistência foi notável, especialmente porque isso de controlar contas públicas, de gastar bem o dinheiro do contribuinte, já está incorporado à opinião pública. Como se viu nas eleições municipais, que premiaram prefeitos e candidatos com histórico de bons administradores. Ao lado disso –e muito por causa disso – a inflação está domada. Os juros caíram sistematicamente ao longo de 2000, chegando em dezembro aos níveis mais baixos em mais de duas décadas. O desemprego caiu, as empresas geraram novos empregos, a renda começou a recuperação — e o pessoal mandou bala nos cartões de crédito. Segundo dados da Credicard, 2000 registrou cerca de R$ 50 bilhões em compras no cartão, o que representa um enorme ganho de 30% sobre o ano anterior. Mais importante, esse ganho se deve ao aumento no número de cartões emitidos, o que significa que mais pessoas entraram no maravilho mundo do dinheiro e/ou crédito de plástico. E olhe que há espaço para crescer. Ainda segundo a Credicard, o cartão representa apenas 6,7% do consumo privado. Não precisa comparar com os Estados Unidos, onde de cada 100 dólares gastos no consumo privado de pessoas e de empresas, 20 são feitos no cartão. Na Argentina, que apesar da crise atual tem mais anos de estabilidade econômica, as compras no cartão chegam a 8,5% do consumo privado. E se a inflação está domada no Brasil, pode contar que o uso do cartão vai crescer – e certamente mais depressa que o aumento da renda. A estimativa da Credicard para 2001 é que os brasileiros gastem no cartão cerca de R$ 61 bilhões, 22% a mais do que em 2000. E já que entramos nas previsões para o novo ano, eis algumas delas: contas públicas mantendo o equilíbrio, crescimento do PIB entre 4% e 5%, desemprego se aproximando da faixa de 6% da população economicamente ativa, inflação na meta de 4%, taxa básica de juros chegando ao final do ano em torno dos 13% – o que daria, nesse momento, uma taxa de juros real de 8,4% ao ano, de longe a menor já praticada no Brasil em muitos anos. 2001 poderá ainda ser conhecido como o ano em que a gasolina baixou de preço. Isso mesmo – e pode acontecer já em abril. Pela nova política do setor, o preço de referência do barril de petróleo é de R$ 55,00. Assim, se o preço no mercado internacional estiver em U$ 25, com o dólar a dois reais, o preço efetivo será de R$ 50, abaixo do nível de referência. Se isso acontecer na média do primeiro trimestre, o preço da gasolina cai em abril. O preço do petróleo já está em queda, de maneira que essa hipótese é bastante viável. Seria um bom símbolo da virada da economia brasileira. O que pode atrapalhar? Como em 2000, são fatores externos. O mais importante está nos Estados Unidos. Até o terceiro trimestre de 2000, a economia americana cresceu 5%. No último, desacelerou para algo em torno de 2,5%. É muito, significa deixar de produzir o equivalente a US$ 250 bilhões, quase meio Brasil. O consumidor americano é que mais detona no mundo. Se ele passa a comprar menos, todos os países têm menores possibilidades de exportar para lá. De todo modo, um crescimento menor dos EUA é o que de melhor pode acontecer. A alternativa é um crash seguido de recessão, cenário que restringe o mercado de exportação e seca os investimentos externos. Até aqui, o cenário mais provável é o de uma desaceleração suave dos EUA, com a economia apenas passando a crescer menos. O mundo todo deve crescer menos, o que torna mais difícil o esforço de exportar. Mesmo nesse caso, porém, o Brasil consegue realizar aquele cenário de crescimento descrito acima. A coisa só piora se vier um crash de Wall Street. O que pode melhorar aqui dentro? Mais reformas, tão difíceis quanto importantes. Todas têm o objetivo de reduzir o custo Brasil e dar mais competitividade às empresas. Em resumo, tornar mais fácil empreender e fazer negócios. São as reformas tributária, da legislação trabalhista, do Judiciário e a do mercado de capitais. É uma agenda complexa, sem dúvida, mas a seu favor está a circunstância de que essas mudanças tornam-se cada vez demandas da sociedade. É como se 2000 tivesse consolidado a luta contra as crises. Domada a inflação, estabelecido o equilíbrio das contas públicas, criadas as condições de um crescimento de 4%, o objetivo agora é melhorar a qualidade dos fundamentos internos para que possa crescer mais por um período de tempo maior. Sendo certo – como se provou agora – que bons fundamentos internos são o melhor antídoto a cenários externos adversos. O senhor e a senhora sabem que o novo século começa de fato agora, em 2001. Parece que vamos começar bem. (Veiculado na edição de dezembro da revista Cardnews)
BALANÇO 2000; PERSPECTIVA 2001
- Post published:9 de abril de 2007
- Post category:Coluna publicada em O Globo
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