VARIEDADES E O MÍNIMO

. Artigos O que é globalização? É o seguinte: a rede de supermercados fica na Polônia. O dono é um grupo português. A propaganda é de uma agência brasileira. O diretor dos filmes é um polonês que morou na Inglaterra, na Argentina e fez carreira no Brasil. Tudo funciona muito bem. Os nomes? A rede de supermercados: Biedronka (joaninha). O capital controlador é do grupo português Jerônimo Martins, também dono do Sé no Brasil. A agência de propaganda é a Upgrade, de São Paulo, que entrou na história justamente para fazer os anúncios do Sé. Ficaram bons, por que não tentar na Polônia? Ricardo Braga, diretor de criação da Upgrade, topou e logo deu sorte de encontrar Andres Bukowinski, diretor de alguns dos comerciais mais conhecidos no Brasil, como a série do “garoto da Bombril”, e que já estava trabalhando em Varsóvia. A edição e produção das peças foram divididas entre Varsóvia e São Paulo, a maior parte, especialmente a de maior tecnologia, no Brasil. Eis aí, parece ruim essa globalização? Voto na mão Os americanos estão colocando um monte de problemas para a contagem manual dos votos. Leva muito tempo, é subjetiva, dá margem a manipulações e por aí vai. Ora, exceto o Brasil, que é o estado da arte com sua votação totalmente eletrônica, o comum no resto do mundo é cédula de papel e contagem na mão. Você dirá: isso no mundo subdesenvolvido, o mundo das fraudes. Mas a Inglaterra não está nesse grupo – e lá é no manual. É verdade que os ingleses não estão felizes com o que chamam de “amadorismo”, mas ninguém lá reclama de subjetivismo. A verdade é que os sistemas eleitorais, em geral, são tecnologicamente atrasados. Uma das razões é econômica: não vale a pena investir num negócio que funciona só uma vez por ano e não raro nem uma vez. Sobretudo quando tudo vai bem, como as máquinas americanas, antigas de décadas. Até que dá errado. Outra globalização E por falar nisso, as máquinas brasileiras de votação são fabricadas pela empresa Procomp, uma empresa instalada em São Paulo, de capital americano. Mas quem bolou a máquina, o programa, foi o pessoal de informática do Tribunal Superior Eleitoral. A Procomp entrou na história porque ganhou a licitação aberta pelo TSE para a fabricação das máquinas. Temos aí, portanto, mais uma da globalização, desta vez uma associação de soft brasileiro – e do setor público! – com hard de multinacional americana. Esse é o tipo do produto ideal para exportação. A Procomp já esteve na Flórida exibindo as máquinas. Mas as vendas externas dependem do TSE. Já que estamos precisando tanto de dólares de exportação, por que o governo não está tratando disso? “No president” A melhor piada sobre a confusão eleitoral nos Estados Unidos foi do “talk-show man” David Letterman. Mais ou menos: “Quer dizer que Busch não é ainda o presidente do Estados Unidos? Quer dizer que Gore também não é? OK, para mim está bom assim”. PAGANDO O SALÁRIO MÍNIMO COM EXPECTATIVAS Não faz muito tempo, muita gente dizia que o salário mínimo só não era maior no Brasil por falta de vontade política. Já o atual debate caiu na real, isto é, partiu do suposto que era uma questão de vontade mas também de dinheiro, sendo esta a crucial. Você pode ter vontade, mas sem dinheiro não leva… Foi um avanço. Saíram todos à procura de reais para a Previdência poder pagar R$ 180 a seus 12 milhões de aposentados (número arredondado, porque é um pouco mais). Finalmente fizeram a conta: cada real de aumento no salário mínimo representa um gasto anual para a Previdência de R$ 156 milhões (1 real vezes 12 milhões de aposentados vezes 13 pagamentos/ano). Assim, para passar dos atuais 151 para 180, são 29 reais vezes aqueles R$ 156 milhões, o que dá exatos R$ 4 bilhões e 524 milhões de reais/ano. Eis aí, começa com uns reais e termina na casa dos bilhões. Não é fácil encontrar bilhões sem aumentar impostos. Também não é fácil cortar gastos no governo federal. Nada menos que 85% das despesas não podem ser cortadas. São transferências a Estados e Municípios, pagamento de pessoal e encargos e de aposentados da INSS e da União. Sobram 15% (cerca de R$ 38 bilhões neste ano) para os gastos chamados discricionários – o governo decide se vai ou não gastar e onde vai gastar. Na verdade, porém, não são assim tão discricionários. A Constituição determina despesas obrigatórias com Saúde (recentemente aumentadas) e Educação – e isso já consome boa parte do disponível. Encontrar aí cortes de R$ 4 bilhões é quase impossível. Aumentar impostos foi a primeira hipótese levantada para custear o mínimo. Como a carga tributária já é levada, a idéia não pegou bem politicamente. Ainda continuam tentativas discretas, por baixo de pano, mas por isso não podem ser expostas como fonte dos R$ 180. De modo que tiveram uma idéia genial: tomar dos sonegadores. Não é o máximo de justiça social? Tomar dos sonegadores para dar aos mais pobres. E voltamos a uma velha prática. Toda vez que uma administração quer fazer gastos para os quais não tem receita, a saída é sempre a mesma: um novo e duríssimo combate à sonegação. No caso, o Congresso se compromete a votar três leis que dotarão a Receita Federal de superpoderes – na verdade poderes que talvez nenhuma outra Receita tenha no mundo. Com isso, espera recolher nada menos que R$ 6 bilhões adicionais no próximo ano, mais que suficientes para o mínimo e, com o troco, para as emendas dos parlamentares ao Orçamento da União. (São aqueles emendas que prevêm verbas para obras que vão desde um poço artesiano numa pequena cidade até o Rodoanel de São Paulo). Sem entrar no mérito das leis antisonegação, convém registrar as ressalvas: há resistências no Congresso à aprovação, tanto que estão lá há muito tempo; há dúvidas razoáveis quanto à sua constitucionalidade, de modo que certamente serão contestadas no Supremo Tribunal Federal; e se tudo isso for superado, a Receita vai precisar achar os sonegadores, cobrar e conseguir receber. Tudo isso até abril próximo, pois nesse mês se começa a pagar o mínimo de R$ 180. Cara leitora, caro leitor: acha que é razoável contar com essas hipóteses para uma despesa fixa?

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