Recuperação em I
Carlos Alberto Sardenberg
O ministro Paulo Guedes já garantiu que conseguiria fácil uns R$ 2 trilhões com a venda de estatais e de imóveis da União, incluindo e velho e belo prédio do antigo Ministério da Fazenda no Rio. Para se ter uma ideia do tamanho da coisa: a previsão de gastos do governo federal para o ano que que vem é de R$ 1,5 trilhão; e o déficit esperado para este ano, com os gastos da pandemia é de R$ 800 bilhões.
Ou seja, a venda das estatais e dos imóveis – no plano delírio de Guedes – daria para cobrir todo o déficit e ainda sobraria quase um orçamento inteiro para 2021.
Passados 20 meses de governo, o ministro já deve estar sabendo que não vai conseguir vender as estatais mais valiosas, muito menos os imóveis. (Só para registrar: desde o final da ditadura, todos os governos acreditaram que dava para fazer uma grana vendendo imóveis. A burocracia e a resistência das corporações barra tudo).
Mas não tem problema para o ministro Guedes. Já que não dá para vender todas estatais, principalmente Petrobras e Banco do Brasil, que dão os maiores lucros, nasce uma nova ideia: o maior programa de distribuição de renda.
Como? Distribuindo para o povo pobre os lucros das estatais. Seria um dos pilares do novo Renda Brasil, cujo fundo também teria dinheiro dos ricos, a ser tomado com algum tipo de imposto.
Beleza!
Ocorre que o Renda Brasil tem que ser uma despesa fixa. Ou não? O lucro das estatais é variável. Será que estão pensando numa renda variável, proporcional ao tamanho dos lucros? Ou, no limite, se a estatal der prejuízo, o beneficiário do Renda Brasil teria que pagar uma parte das perdas?
Eis porque o economista José Roberto Mendonça de Barros, em entrevista ao Globo, chamou de café com leite a proposta de orçamento para 2021, encaminhada ao Congresso no último dia 31.
Simplesmente não consta ali nada a respeito do Renda Brasil, nem quanto será pago, nem a quantas pessoas, nem a fonte de recursos. É nada. E também não está prevista a receita para o Fundeb, cujo valor foi recentemente elevado pelo Congresso.
Ou seja, o orçamento para 2021 não existe. Terá que ser feito ao longo dos próximos meses em debates com o Congresso. Significa que até aqui não tem Renda Brasil nem Fundeb.
Mas terá a reforma administrativa, proposta de emenda constitucional, prometida para ser enviada ao Congresso nesta quinta-feira. É importante: trata-se de reduzir o gasto com funcionalismo (o segundo maior, depois da previdência) e melhorar a eficiência e a qualidade dos serviços prestados ao público.
Para isso, serão limitadas as carreiras de estado – aquelas que têm estabilidade – serão reduzidos os salários de entrada e a evolução funcional se dará pelo mérito e não pelo simples passar do tempo, como é hoje.
Mas isso para daqui uns 20 anos pelo menos. O presidente Bolsonaro disse que a reforma não poderá mexer em nenhum direito dos atuais funcionários. Só valerá para os concursados que entrem no serviço depois de aprovada a reforma.
Já seria alguma coisa para as futuras gerações. Mas, caramba, não dá para mexer em nada agora? Nem nos super-salários, aqueles que vão muito além do teto de R$ 39 mil por conta de umas gambiarras jurídicas? Essas gambiarras podem ser desfeitas com leis simples. Aliás, há um projeto na Câmara que acaba com os extratextos – e que está parado.
Tem outro jeito de adiantar a reforma e eliminar algumas carreiras de servidores que ganham muito e fazem pouco. Por exemplo: o pessoal da polícia legislativa da Câmara e Senado, cuja função é supostamente dar garantia aos parlamentares. Mas ao mesmo tempo, as duas casas contratam serviços de segurança e motoristas. Neste caso, basta simplesmente não substituir os que se aposentam. Vários países fizeram isso. E poderia ser feito com várias outras carreiras a serem extintas.
Ou seja, dá para fazer e é preciso tomar medidas para reduzir gastos atuais e melhorar eficiência hoje, não daqui a 20 anos.
Na última terça, quando saíram os resultados do PIB do segundo trimestre, o ministro Guedes disse que era o estrondo de um raio que já caiu e não cairá mais. Garantiu que a economia já está em recuperação em V. O Jornal da Globo, considerando esses planos e programas que são meras ideias sem realidade, observou que mais parece uma recuperação em I, de incerteza.