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Teto não é teto

Não é só pelo dinheiro, pelos 500 mil reais que o juiz Mirko Vincenzo Giannotte, de Sinop, recebeu do Tribunal de Justiça de Mato Grosso no contracheque de agosto.

         O espanto que acomete qualquer pessoa de bom senso é com a atitude dele – “não tô nem aí” – e da Associação dos Magistrados do estado, que considera simplesmente normal aquele pagamento. Tanto que a entidade da categoria está reclamando pagamentos semelhantes para outros juízes.
         O argumento é uma artimanha jurídica – praticada justamente pelos servidores que têm a função de fazer cumprir a lei e o espírito da lei. A Constituição diz que “a remuneração e o subsídio” de servidores –  ou “outra espécie remuneratória, percebidos cumulativamente ou não, incluídas as vantagens pessoais ou de qualquer outra natureza” – não poderá exceder o subsídio do ministro do Supremo Tribunal Federal.
         Assim, nenhum servidor pode hoje ganhar mais que os R$ 33.700 do ministro do STF.
         O juiz Giannotte recebeu aqueles 500 mil num pacote que incluiu salários, indenizações, vantagens eventuais e gratificações. A bolada,  explica o juiz e o Tribunal, é o ressarcimento de um dinheiro que o magistrado deveria ter recebido anos atrás por ter atuado em comarca de maior porte. Ocorre que, em julho, o rendimento, digamos, normal, foi de pouco mais de R$ 65 mil, duas vezes o teto.
         Quer dizer, os valores extraordinários referem-se a uma indenização – remuneração que deveria ter sido recebida lá atrás – mas a base do cálculo é o dobro do teto constitucional?
         Ao anunciar o novo pacote de combate ao déficit das contas públicas, o ministro do Planejamento, Dyogo Oliveira, disse que seria introduzida uma regra para fazer valer o teto salarial.
         Perceberam o absurdo?
         A regra do teto já existe e é mais que isso, é uma norma constitucional, a maior das leis. Simplesmente não é cumprida . E ainda é mais descumprida pelos servidores cuja função é zelar pelo cumprimento da lei – procuradores e juízes.
         Ou seja, o governo vai baixar uma regra para dizer aos “zeladores da lei” algo assim: ei! pessoal, teto é teto. Não tem o menor cabimento.
         E não é primeira vez que se faz isso. Não faz muito tempo, o teto era o salário do presidente da república. Sabe-se como, o vencimento do ministro do STF furou o teto – e assim, lógico, passou a ser o novo teto. Que começou a ser imediatamente furado com argumentos que variam na letra mas têm sempre a mesma base: arranjar um dinheiro cuja classificação contábil escape daquelas relacionadas na Constituição. Como os tais ressarcimentos do Tribunal de Justiça do Mato Grosso.
         Ou seja, teto não é teto, tal é a doutrina jurídica vigente no setor público.
         Também não é só pelos R$ 196 mil que o Tribunal Regional do Trabalho da Bahia  queria gastar contratando uma academia para treinar desembargadores e funcionários em corrida e caminhada.  O que deixa estupefato o cidadão comum é a presidente do TRT, Maria Adna,  aparecer no Jornal Nacional, até com satisfação, para dizer que estava ajudando a combater a crise ao proporcionar mais saúde para seu pessoal. Além disso, informou ainda o TRT, os funcionários precisavam se preparar para a Olimpíada da Justiça do Trabalho.
         A Justiça do Trabalho gasta mais de 80% de seu orçamento com o pagamento de pessoal. Os salários são elevados – e além disso, não é raro o estouro do teto por conta das tais rubricas inventadas como “extratexto”.
         Ainda assim, acham normal contratar treinadores com dinheiro público. Reparem, ninguém fez nada escondido. A direção do TRT abriu uma licitação para contratar uma academia, até especificando que deveria prestar serviço “de primeira” nos treinos de corrida e caminhada. E quando a história chegou à imprensa, o TRT deu nota oficial explicando que estava tudo dentro da lei e a desembargadora Maria Adna defendeu o mérito da política de saúde.
         Ficaram surpresos com a repercussão. É como se dissessem: qual é o problema? Dinheiro público não é para cuidar da saúde do pessoal?
         Reparem: no fundo é a mesma situação do juiz de Mato Grosso. O tal vencimento de 500 mil, que chamou a atenção e foi parar na imprensa, está lá relacionado no portal da transparência do Tribunal de Justiça do estado.
         Parece até que fizeram a ironia de propósito – isso de colocar a tal indenização no portal da transparência. Mas não, eles acham mesmo que está tudo normal. Quer serviço público é isso aí.

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