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Uma proeza: pioraram tudo

Uma proeza: pioraram tudo

Carlos Alberto Sardenberg

É preciso reconhecer a proeza: numa só semana, o Congresso conseguiu desmontar a Constituição – ao derrubar o teto de gastos – a Lei de Responsabilidade Fiscal, a regra de ouro – que proibia tomada de dívida para despesas correntes – e a legislação eleitoral. Esta última foi violentada de várias maneiras.

A mais conhecida foi a permissão para o governo federal aumentar e criar programas sociais na véspera das eleição. Mas, assim, por baixo do pano, os parlamentares partiram para o liberou geral: o Executivo ganhou o direito de trocar os fornecedores de obras e serviços quando e como quiser. Argumento: é para retomar obras paradas. Parece bom e se a lei eleitoral proibia isso, errada estava a lei.

Não estava. A lei dizia que em caso de interrupção de uma obra, por exemplo, o crédito para a execução deve ser simplesmente cancelado. Por óbvio: o governo não pode contratar uma estrada em um determinado município e depois usar o dinheiro para uma fonte luminosa em outra cidade. Em termos mais claros: não pode parar a obra em um município inimigo e transferir para a cidade de um prefeito amigo.

Não podia. Agora pode.

Também o governo não podia, em período eleitoral, distribuir desde coisas “simples” como cestas básicas ou redes de pesca até aparelhos pesados, como tratores e máquinas agrícolas. Por óbvio: o governante de plantão não pode usar o dinheiro público para fazer sua própria campanha.

Não podia.

Na democracia, todos os candidatos devem disputar em igualdade de condições. Daí as regras que limitam o poder do incumbente, o governante de plantão, o parlamentar em exercício.

O conjunto aprovado pelo Congresso desmonta essa regra. O presidente Bolsonaro foi escandalosamente beneficiado, mas também todos os deputados e senadores governistas. Foi aperfeiçoado o “orçamento secreto”, de tal modo que o parlamentar pode distribuir milhões de reais para sua região política, sem que seu nome apareça em qualquer documento.

Claro que o parlamentar vai lá no seu município “entregar” o trator – mas isso fica lá entre eles. No orçamento, o dinheiro público foi magicamente para aquela cidade, a mando de ninguém.

E por que as oposições aprovaram ou deixaram passar esse conjunto que beneficia o bolsonarismo e o Centrão? Porque acham, especialmente a esquerda, com Lula, que vão ganhar a eleição e, assim, herdar todos aqueles instrumentos de poder.

Também herdam, caso ganhem, o desastre econômico provocado pelo desmonte das contas públicas. E daí? Já estarão no poder – e é isso que importa, inclusive para ajustar contas com inimigos, de bolsonaristas aos ex-líderes da Lava Jato.

Ou seja, trata-se de tudo, menos de democracia.

A economia real, contudo, não se altera com sabotagens legais. O ponto é o seguinte: o país sofre com inflação elevada, juros altos e baixo crescimento.

O ministro Guedes alardeou a sua nova previsão de expansão do PIB para este ano: 2%. Isso mesmo, estão comemorando um crescimento de 2%, que nem mexe na renda real dos brasileiros.

E que certamente piora no ano que vem, como já avisou o próprio Banco Central. Com a prática de juros elevados, o BC torna o crédito mais caro para consumidores e investidores. Assim, derruba a atividade econômica e, pois, a inflação.

O objetivo do governo é exatamente o contrário: gastar o máximo de dinheiro público para estimular a economia.

Sempre que a política econômica torna-se assim, maníaca, de dupla personalidade, o resultado é o pior possível. Nenhuma parte ganha, de modo que o país fica ao mesmo tempo com inflação elevada, juro alto, dólar caro e baixíssimo crescimento.

Resumo da ópera: a democracia foi violentada; a regra fiscal, rasgada; a política, reduzida a uma polarização sem qualquer proposta de reconstrução.

Será difícil, quando houver vontade, juntar os cacos e reconstruir um sistema saudável.