. SOBRE O SIGILO BANCÁRIO
Estão tentando colocar a questão nos seguintes termos:
Você é contra ou a favor dos sonegadores?
É uma prática autoritária e demagógica, essa de impor um debate de modo a resultar uma única resposta possível.
No caso, a resposta óbvia ? contra os sonegadores ? impõe uma seqüência também autoritária: então, você tem de ser a favor da quebra do sigilo bancário sem necessidade da Receita pedir autorização judicial.
Está implícita aí uma acusação à Justiça, a de que protege os sonegadores de tal modo que é preciso passar ao largo dela para apanhar os bandidos.
Eis aí uma grave ameaça à democracia e à civilização. Pois se admitimos que a Justiça é um empecilho à captura e punição dos sonegadores, então podemos admitir que também é o mesmo empecilho à captura e punição de qualquer criminoso.
Assim, por que não autorizar a polícia a prender suspeitossem autorização judicial ou sem comunicar à Justiça no caso de uma prisão em flagrante?
Já viram onde caímos, na mais pura ditadura. Nem faz muito tempo que saímos do regime militar, onde o governo tinha o poder de fazer qualquer coisa sem autorização da Justiça e a polícia tinha o poder de prender qualquer pessoa e fazer qualquer coisa com ela, sem dar qualquer satisfação à Justiça.
Basta dar uma olhada na história das ditaduras: a primeira coisa a fazer é fechar, afastar ou neutralizar a Justiça.
Ou seja, é muito grave essa lei aprovada por unanimidade no Senado que autoriza a Receita federal a quebrar o sigilo bancário e fiscal de qualquer suspeito ? e a autuar ? sem necessidade de pedir autorização à Justiça.
É um festival de demagogia e desvio autoritário.
Hoje, o mundo todo, o mundo civilizado, aceita a quebra do sigilo bancário como forma de combater a sonegação, a corrupção e a lavagem de dinheiro. Mas todos exigem a autorização da Justiça. (Veja seção Entenda a Economia).
Assim, a questão que deveríamos estar debatendo é a seguinte: quem, e em quais condições, pode quebrar o sigilo bancário de pessoas e empresas?
Para resumir: quem pode quebrar o sigilo, o juiz, em processo público, com acusação e defesa, ou o fiscal, a seu exclusivo juízo?
E por falar em ditadura
Trinta e dois anos atrás, em 13 de dezembro de 1968, o regime militar brasileiro editava o Ato Institucional número 5, que dava poderes absolutos e incontestáveis ao general no governo.
O então vice-presidente, Pedro Aleixo, um liberal à antiga, reclamou com o então presidente, o marechal Arthur da Costa e Silva.
O marechal respondeu que não haveria problema, porque ele usaria o poder com moderação.
E Pedro Aleixo: "Não me preocupo com o senhor, mas com o policial da esquina".
A lei aprovada pelo Senado dá às Receitas Federal, Estaduais e Municipais o poder de quebrar o sigilo.
Não faz muito tempo que se apanhou a "máfia dos fiscais" da prefeitura de São Paulo. Já pensou quanto valeria para esses fiscais poder de ameaçar quebrar o sigilo de suas vítimas?
E a Justiça?
Sim, a Justiça pode ser lenta, atrasada e mesmo corrupta.
Mas o caminho certo não é afastá-la, mas sim reformá-la.
Eis o problema: essa reforma é mais difícil, exige competência, conhecimento e habilidade política e nem dá tanta imprensa quanto vociferar contra os sonegadores.
Péssimo episódio da política brasileira.