SOBRE JUROS E COPOM

. Um refresco para os amigos? Os sinais emitidos pela equipe econômica são conservadores. Sugerem que ainda não está na hora de afrouxar o combate à inflação. E se for assim, o Comitê de Política Monetária do Banco Central (Copom) não vai reduzir a taxa básica de juros (hoje de 26,5% ao ano) na sua reunião de amanhã e quarta. Há uma enorme lista de razões técnicas para essa decisão. Mas há também uma forte pressão política para que o Copom inicie imediatamente a tão prometida redução dos juros. Essa pressão vem de origens variadas, mas se poderia reuni-las em dois grandes grupos. De um lado estão aqueles que se opõem à política econômica liderada pelo ministro Antonio Palocci por considerá-la uma mera continuação da linha Malan e, assim, entendem que os juros deveriam ter caído desde o início do governo Lula. Esse grupo inclui economistas tradicionalmente ligados ao PT e que não foram para o governo, mas abriga também empresários que aderiram a Lula esperando uma política econômica menos voltada para o ajuste das contas públicas e a estabilidade da moeda. Portanto, trata-se de um grupo de pressão que se manifesta desde a formação da equipe econômica de Lula. É pressão antiga e, em larga medida, já vencida. Mas há uma outra frente pela redução dos juros. Trata-se da turma que, dentro do governo e do PT, apóia a linha Palocci, paga um preço por isso e agora anda querendo um refresco. Uma redução de juros neste momento daria um belo argumento a esse pessoal: “estão vendo? A austeridade exige sacrifícios mas traz benefícios”. Ou seja, valeu a pena ter feito o superávit primário das contas públicas e ter elevado os juros em janeiro e fevereiro, pois com isso se recuperou confiança e se conteve a escalada inflacionária. Agora é a hora dos benefícios, tal é a expectativa. E também a torcida. De maneira que o Copom enfrenta fogo amigo e fogo inimigo. Com uma agravante: há argumentos técnicos para a redução dos juros. Não formam a maioria, mas há economistas de peso que defendem o início imediato do processo de queda da taxa básica, sob o argumento de que a desaceleração da inflação, embora lenta, é um movimento firme e irreversível. Entendem que a redução dos juros seria mais um fator a estimular a confiança, na medida em que apontaria para um futuro de crescimento. Ainda assim, uma eventual decisão pela redução dos juros nesta semana vai parecer uma resposta política, uma espécie de adiantamento aos “amigos de Palocci”. Um banco central autônomo, na lei ou na prática, como tem sido o BC de Henrique Meirelles, decide tecnicamente. Mas é preciso admitir que a idéia do refresco é tentadora do ponto de vista estratégico. Há más notícias no cenário econômico. À euforia no mercado financeiro – aliás, arrefecida no final da semana – correspondem sinais de baixa atividade econômica nos primeiros meses deste ano em comparação com o mesmo período de 2002. Tirante os setores ligados à exportação, o resto vai mal. A produção industrial caiu, as vendas do comércio varejista mostraram queda recorde, a construção civil recuou. Analistas prevêem que o Produto Interno Bruto do primeiro trimestre apresentará recuo em relação ao último trimestre do ano passado. Não se pode dizer que esse ambiente seja resultado da austeridade e da ortodoxia da política econômica. Na verdade, o país está pagando o preço da tremenda crise de confiança do ano passado. Crises de confiança começam como crises financeiras – disparam dólar, juros e risco país, desabam as bolsas, desaparecem capitais – e terminam na economia real, na forma de estagnação e/ou inflação. Quando se recupera a confiança, é o mesmo trajeto: começa pelo financeiro e termina na economia real, mas demora mais para melhorar. O momento é de recuperação dos indicadores financeiros, conseguida justamente pelo rigor da política econômica ortodoxa de Palocci. Por isso as autoridades do Ministério da Fazenda e do Banco Central têm dito que é preciso paciência e perseverança neste momento. Perseverança para não desviar do rumo, isto é, não ceder à tentação de afrouxar as políticas monetária e fiscal. Paciência para esperar os resultados na atividade econômica. Mas, de novo, é preciso admitir que, dado o ambiente de retração e dada a aflição dos amigos, uma “reduçãozinha” de juros ou algo equivalente daria uma boa mão de apoio à linha Palocci. Como reagirá o Copom, cujos integrantes são os membros da diretoria do BC e agem sempre olhando os números? Os sinais, como dito no início, são de conservadorismo. Mas bancos centrais têm mesmo que ser conservadores. Paul Volcker, que foi presidente do BC americano, o Fed, dizia que banqueiro central é o cara que chega no auge da festa e leva o chope embora. Na era Lula, o Copom reuniu-se quatro vezes.Nas duas primeiras elevou os juros. Na terceira, manteve a taxa estável, com viés de alta. Na quarta, retirou o viés e deixou os juros na mesma. Por essa sequência, e como a situação segue de fato melhorando, seria a vez de uma queda nos juros ou pelo menos um viés de baixa. Também uma redução dos depósitos compulsórios quebraria o galho, na linha de combinar análise técnica e austeridade com um refresco para os amigos. Publicado em O Estado de S.Paulo, 19/05/2003

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