Poupar Temer em nome de suposta governabilidade é simplesmente consagrar o sistema que nos trouxe ao desastre
E quer saber? O balanço do governo Temer na área econômica é bom. Há duas mudanças notáveis obtidas no Congresso Nacional: o teto de gastos públicos, introduzido por emenda constitucional, e a nova legislação trabalhista, em dois lances, a Lei de Terceirização e a reforma mais ampla aprovada na última terça.
Além disso, a equipe econômica impôs um rigoroso controle de gastos públicos, com o objetivo de reduzir o déficit primário e conter o crescimento da dívida. Mais ainda: o Banco Central adquiriu credibilidade, e a inflação não apenas voltou para a meta como anda abaixo desta. Isso permitiu a redução tanto das metas para 2019 e 2020 quanto da taxa básica de juros.
E que mais daqui para a frente?
Aqui está o problema. Parece que acabou. E acabou no dia em que o país tomou conhecimento da comprometedora conversa entre o presidente Temer e Joesley Batista.
E isto nos coloca no centro do debate que ocorre no país. Resumindo, há três posições: uma sustenta que Temer é inocente e que toda a acusação contra ele não passa de perseguição do procurador Janot e de uma tramoia dos donos da JBS.
Na segunda posição, o pessoal entende que Temer é, sim, culpado de corrupção e tudo o mais, mas — caramba! — o homem conseguiu avançar as reformas. Assim, convém ignorar as acusações, ao menos por ora, e deixar que ele e sua base terminem o serviço, incluindo a aprovação da reforma da Previdência.
A terceira linha sustenta que não há como deixar pra lá, ainda que provisoriamente, a investigação e a punição dos políticos que criaram e se beneficiaram de um inacreditável sistema de corrupção.
A primeira posição não tem o menor cabimento. Um presidente inocente e alheio à corrupção não conversa daquele jeito com um empresário investigado. Como o presidente pode ser inocente e alheio quando quatro de seus principais assessores — incluindo dois ministros — foram presos com sólidos indícios de corrupção, um deles recebendo uma mala de R$ 500 mil?
Há indícios tão veementes de roubalheira organizada que a única saída do pessoal dessa primeira linha é tentar desqualificar as provas, não os fatos. Assim, tenta-se voltar ao Judiciário pré-Lava-Jato, no qual os advogados faziam a festa descobrindo detalhes dos detalhes formais para pedir, e conseguir, anulação de processos.
Isso acabou em boa hora. Não se pode fingir que não aconteceu nada, como querem que se faça em relação a Temer e tantos outros, incluindo Aécio e Lula. Aliás, a condenação de Lula é mais um passo nessa direção. O fato de ser um líder popular, ex-presidente, não o exime da Justiça. Ao contrário.
O pessoal da segunda posição quase tem um ponto: salvar Temer em nome da governabilidade. Na verdade, é uma forma moderna de uma prática muita conhecida, a do rouba mas faz. Simples assim. Sabemos no que dá isso: rouba e faz errado; rouba e destrói o Estado e a economia privada; rouba e consome recursos da sociedade para premiar os amigos do governo e dos partidos no poder.
Poupar Temer em nome de uma suposta governabilidade é simplesmente consagrar o sistema que nos trouxe ao desastre político, moral e econômico.
Aliás, tivemos momentos bem ilustrativos ontem. O primeiro a defender Temer, no Senado, foi Paulo Maluf, recém-condenado pelo STF a sete anos de cadeia e perda de mandato. A condenação foi um fato pós-Lava Jato. As circunstâncias, não. Maluf estava lá, solto e com mandato, porque, bem, porque a sentença não foi executada, ainda depende de recursos, mesmo sendo o crime de 1997.
Sabemos como aconteceu isso tudo, e não queremos mais. Se a votação das reformas depende da manutenção desse esquema de governar, então o país está mesmo perdido.
O que nos leva à terceira posição: já passou da hora de desmontar esse sistema que corrói o Estado, as instituições e a sociedade. A tolerância com um presidente apanhado em tanta coisa errada equivale a dizer que o Brasil não avança sem corrupção.
E isso não é verdade. Não pode ser. A verdade é que o presidente Temer assumiu uma agenda econômica que estava pronta, cujas necessidade e oportunidade haviam sido dadas pelo desastre do governo Dilma. Também havia uma equipe econômica, treinada e testada, pronta para assumir. Ao assumir essa linha, Temer fez a única coisa que poderia justificar seu mandato, ser o anti-Dilma.
A agenda e a equipe não dependem dele. Aliás, neste momento, Temer desmerece a agenda. As reformas, como a trabalhista, são necessárias para o país. Não podem parecer coisa de um presidente corrupto que se agarra ao cargo.
Resumindo: está claro que a agenda de reformas econômicas e sociais exige mesmo é uma aprovação nacional através da eleição de um candidato comprometido com ela. Como acontece na França de Macron. Desvios tipo rouba mas faz não funcionam.
O que nos leva para 2018. Até lá? Com sorte, uma equipe econômica que, com qualquer presidente temporário, toque o barco, controle as contas na boca do caixa e não atrapalhe a resiliência da economia.