É óbvio que o Brasil nunca esteve perto de um regime socialista radical, tipo eliminação ou restrição extrema da propriedade privada. Mas é óbvio também que os eleitores de Bolsonaro estavam se referindo a outra coisa quando aprovaram o “abaixo o socialismo” do capitão. Estavam manifestando sua oposição ao avanço da cultura e da prática de um tipo de anti-capitalismo, assim como do excesso de Estado e governo interferindo e mandando na vida dos cidadãos. Manifestavam também, e muito claramente, a rejeição ao apoio e financiamento dos governos petistas aos regimes socialistas ou bolivarianos de Cuba, Venezuela, Nicarágua e muitos outros na África.
O presidente e seus eleitores chamam isso de ameaça do socialismo no Brasil, já que os mesmos governos petistas tentaram diversas medidas nessa direção, como o “controle social da mídia”, que só caiu pela resistência da própria mídia.
Seria apenas uma retórica de campanha ou o presidente acredita mesmo que a bandeira brasileira quase virou vermelha?
Diria que, hoje pelo menos, a coisa é mais retórica. Tirante a minoria radical de direita, acho mesmo que nenhum brasileiro minimamente informado acredita que estivemos ou estaremos perto do comunismo.
Muita gente insiste que há, sim, o medo concreto da ameaça comunista, mas para derivar daí a seguinte conclusão: que Bolsonaro propôs e o povo votou pelo fascismo, que, aliás, é um regime de intenso controle do Estado sobre a sociedade e os indivíduos. Se colocado nesses termos, o debate está equivocado e não leva a nada.
Não foi uma escolha entre comunismo e fascismo. Quem pensar assim e agir em consequência, dos dois lados, ou vai fazer um governo desastroso ou praticar uma oposição de ruptura.
Consideram, igualmente, a questão das armas. Lá atrás, no referendo sobre estatuto de desarmamento, em 2005, os eleitores votaram contra a proibição total da venda de armas e munições. Sim, a bancada da bala sustentava que o cidadão de bem desejava ter armas para se defender da bandidagem. Mas os eleitores não pensaram assim. E como sabemos disso? Simplesmente porque não foram às lojas comprar suas pistolas.
Votaram contra o veto à liberdade de escolha. E sobretudo, não compraram a tese de que a notória insegurança tinha como uma das causas a “livre” venda de armas. Aceitaram a tese oposta, que o problema estava no excesso de armas – aliás, de venda proibida – nas mãos dos bandidos e na ineficiência da polícia em conter a circulação clandestina de fuzis e metralhadoras e de apanhar as quadrilhas.
Essa questão de novo aí. E assim como no caso do falso debate socialismo/fascismo, está errado quem acha que os brasileiros querem ter sua pistola em casa e que, com os cidadãos assim armados, a segurança aumentará e a criminalidade diminuirá.
Bolsonaro disse uma vez que o ladrão evitará entrar numa residência sabendo que o proprietário está armado. Pode acontecer. Mas também pode acontecer o contrário: o bandido entrar justamente porque sabe que ali tem uma boa arma a ser roubada.
Também está errado quem acha que flexibilização do porte de armas vai multiplicar exponencialmente o número de brasileiros armados, isso gerando uma explosão de homicídios. Se o comportamento for o mesmo de 2005, e tudo indica que sim, não haverá nada parecido com uma corrida às armas.
Ou seja, se o debate da segurança está no decreto das armas, também não levará a nada.
Convém olhar fatos. Não há relação direta entre posse de armas e número de crimes. Os cidadãos canadenses têm muito menos armas que seus vizinhos americanos e a criminalidade lá no Canadá é menor. Por outro lado, os ingleses demonstraram claramente que a criminalidade é tanto menor quanto maior a eficiência da polícia em desvendar os crimes e apanhar os bandidos. Mesma coisa foi provada em cidades americanas
Ou seja, a variante chave não é a arma doméstica, digamos assim, mas é, sim, uma polícia eficiente, bem preparada em inteligência e, sim, muito bem armada, necessariamente mais bem armada que as quadrilhas. E com uma legislação de apoio.
O voto de outubro contem essa ideia. Assim como contem um voto pela liberdade econômica.