PREVISÕES ECONÔMICAS, O CERTO E O ERRADO

. Acredite se quiser      
As previsões macroeconômicas mais equivocadas em 2005 foram, de novo, aquelas referentes à cotação do dólar e ao superávit do comércio externo. Se os analistas tivessem acertado, o dólar teria fechado a última sexta-feira a R$ 2,95, com um saldo comercial em torno dos US$ 26 bilhões. O dólar de fato ficou bem abaixo e o saldo, bem acima, mais de US$ 44 bilhões, no que parece um despropósito. O real valorizado deveria ter reduzido as exportações e elevado as importações. As importações aumentaram, porém  menos do que as exportações.     
O que houve?     
As previsões citadas acima foram as que apareceram no último Relatório de Mercado de dezembro de 2004. O relatório é preparado toda semana pelo Banco Central. Trata-se de uma mediana, um resumo, dos prognósticos feitos pelas consultorias, institutos econômicos universitários e não acadêmicos e departamentos econômicas de instituições financeiras. Todos trabalham com os mesmos modelos, fazem suas contas e enviam o resultado para o BC, que tira a mediana e divulga toda segunda-feira em seu site (www.bcb.gov.br).     
Por que saiu tão errado naqueles dois pontos?     
Primeiro, porque se trata de ciência, mas não ciência exata. Apesar de toda a boa matemática, os modelos econômicos referem-se a comportamentos humanos: o que farão o investidor e o consumidor? Homens e mulheres são racionais e, além disso, a psicologia e a psicanálise acumularam bom conhecimento sobre a alma humana. Sabe-se portanto como os agentes econômicos reagem a determinados acontecimentos, mas não se pode prever a sequência de acontecimentos, nem o tamanho da reação.     
Uma crise política abate o ânimo de investidores e consumidores e isso pode ser medido. Mas quando haverá uma crise política? Ou, o que levaria Roberto Jefferson a, naquele momento, tomar a decisão de detonar o mensalão?     
A crise política, com o consequente enfraquecimento do governo Lula, do presidente e seu partido, foi o grande evento não esperado do ano. E derrubou a confiança de consumidores e empresários, como apontado pelos índices matematicamente construídos. Desconfiança gera menos compras e menos investimentos ? de modo que isso tem alguma relação com o crescimento menor.     
Mas e o dólar e o comércio externo? No caso, desconfiança deveria levar a uma compra de dólares e, pois, à desvalorização do real. Deu-se o contrário.     
Onde o erro aqui? Na avaliação do cenário externo. Mais uma vez os analistas desconfiaram que o vigor da economia e do comércio mundiais não se sustentaria. Mais uma vez os analistas desconfiaram que o preço do petróleo poderia explodir e que os Estados Unidos e China reduziriam seu ritmo de crescimento. Nem uma coisa, nem outra. Os EUA crescem num ritmo só um pouco abaixo do excepcional resultado de 2004 (4,3%) e a China mantém seus 9,5% de praxe.     
Assim, o comércio mundial continuou em forte expansão, o que beneficiou diretamente as comodities brasileiras, com demanda, especialmente da China, e preços em alta por mais um ano. Sobrou dinheiro no mercado internacional, com os investidores no espírito do ?tudo bem?, não vendo riscos em parte alguma. As bolsas subiram no mundo todo, países e empresas colocaram seus papéis a juros menores, o risco país caiu para todos os emergentes. Grande farra.     
O Brasil esteve nela. Comprou e captou dólares e reais a custo baixo (fez a primeira operação externa em reais), reduziu endividamento externo (inclusive zerando a conta com o FMI) e por aí foi. E essa abundância de dólares desvalorizou a cotação da moeda americana.     
O real forte de fato abateu muitas empresas que não conseguem exportar com o dólar tão baixo. Fábricas foram fechadas, algumas transferidas para a China. Outras companhias simplesmente deixaram o mercado externo, não sem problemas porque o interno não foi lá essas coisas.     
Mas além da crise política e da exuberância externa, outro fator a perturbar as previsões pata 2005 foi o conservadorismo do BC. No último Relatório de Mercado de 2004, o pessoal estava prevendo inflação de 5,7% para 2005- e vai cravar. Mas esperava-se obter isso com taxa de juros um pouco menor, terminando o ano em 16%. Acabou em 18%, taxa básica fixada pelo BC na última reunião do ano.     
A divergência revelou um embate entre BC e mercado, que persiste. Para o mercado, a economia estava se contraindo demais, de modo que os juros não precisariam ter subido tanto quando subiram e poderiam ter caído mais rapidamente, quando começaram a cair. O BC achava e continua achando que a economia cresce mais do que parece e, sobretudo, que cresce o que dá para fazer sem inflação.     
A divergência persiste. No final de 2004, o Relatório de Mercado esperava que o país crescesse 3,5% em 2005, com inflação de 5,7% e juros de 16%. A inflação bateu, juros ficaram a maior, crescimento, em consequência, a menor.     
De certo modo, a divergência persiste para 2006. O Relatório de Mercado divulgado em 26 dezembro, último do ano, estima crescimento de 3,5%, com inflação de 4,5% e taxa básica de juros em queda, chegando a 15% em dezembro. Para o BC, mais otimista, a inflação deve ser um pouco menor e o crescimento um pouco maior. O BC não projeta taxa de juros, por razões óbvias. A propósito, o Relatório prognostica dólar a R$ 2,40 em dezembro de 2006, com saldo comercial de US$ 37 bilhões.      
Isso tudo supondo que o mundo continuará em crescimento, com todo mundo investindo, comprando e vendendo, em ritmo até mais forte que o de 2005. Que o petróleo permanecerá assim, caro, mas não explosivo. Que haverá atentados aqui e ali, mas nada que bloqueie a economia internacional.  Internamente, o cenário básico supõe que a eleição brasileira ocorrerá sem crises de confiança. Isso quer dizer que se espera uma disputa entre Lula e um candidato do PSDB, ambos não representando ameaça à permanência da política econômica básica. Ou seja, mais importante que o cenário básico é o conjunto de suposições. Se Lula desanimar e se retirar da disputa, sua posição sendo ocupada por alguém como Garotinho, pode comprar dólares e apostar em tudo que resulte de um real desvalorizado. Idem se o próprio Lula demitir a diretoria do BC e mandar reduzir os juros na marra. O cenário básico serve para isso mesmo, para indicar o que pode dar errado. Como e quando? Está querendo saber demais. Bom ano.  Publicado em O Estado de S.Paulo, 02/janeiro/2006

Deixe um comentário