OS LEITORES E O GOVERNO FHC

. “Soberba, prurido e ingenuidade” Muitos leitores e leitoras mandaram emails comentando os artigos publicados nos dias 11 e 18 últimos neste mesmo espaço, em que procuramos analisar três pontos referentes à imagem do governo FHC. O primeiro discutia por que candidato José Serra não defendeu, nem sequer apresentou o governo FHC ao eleitorado; o segundo tratava de perguntar por que a administração tucana, premiada pela ONU por seus programas sociais, ficou carimbada com o “nada fez pelo social”; e terceiro, por que o próprio governo foi tão ineficiente na construção de sua imagem ao longo dos oito anos. Há respostas interessantes dos leitores para todos esses pontos. Lá pelas tantas, observamos que era incompreensível o fato do presidente FHC, conhecida por sua boa lábia, ter recorrido tão pouco às declarações e rápidas entrevistas na tevê, como fazia, por exemplo, Bill Clinton e como faz George Bush. Parece que a assessoria do brasileiro não recomendava esse tipo de prática, talvez para não banalizar a figura do presidente. Mas um funcionário da atual administração (e que, por essa razão ética, não terá seu nome citado) sugere outra explicação: “O descuido do governo com a comunicação, no fundo, tem a ver com uma ilusão racionalista de que a natureza das coisas e o sentido das ações humanas são auto-evidentes e inequívocos para todos aqueles dotados de razão. Uma mistura de ingenuidade, prurido e soberba. Por essas e outras, quebramos a cara”. Essa análise resume com exatidão grande parte dos emails recebidos. É o que pensa muita gente: o governo tucano, “rempli de soi même” – simplesmente tinha certeza que todos haveriam de aplaudi-lo. Soberba foi palavra que apareceu em mais de um email. Mas também as outras. Alguns sugeriram que o governo esperou que os bilhões gastos em programas sociais fossem suficientemente eloquentes. Outros, entretanto, defenderam o “low profile”. Disseram que o governo não deveria mesmo ficar alardeando seus gastos sociais porque isso seria ofensivo para os que recebem a ajuda. Não seria correto, por exemplo, mostrar na tevê os beneficiados com os programas de renda mínima. Mas, observaram esses leitores, a verdade sempre vem à tona – ou seja, acreditam que a imagem do governo FHC crescerá com o tempo. Uma leitora sugeriu uma teoria conspiratória. O primeiro tucanato teria deixado a onda Lula crescer para voltar mais forte daqui a quatro anos, na convicção de que o governo petista será ruim. Nesse caso, a candidatura José Serra teria sido boi de piranha. Mas se há uma unanimidade, está nos comentários positivos a respeito da campanha de Geraldo Alckmin em São Paulo. A diferença em relação à de Serra foi classificada de “chocante”, “reveladora” , “exemplar”– e por aí foi, todos entendendo que Alckmin mostrou como fazer uma campanha governista. E aqui caímos no outro tema de nossos artigos, o das campanhas que apenas respondem ao que mostram as pesquisas qualitativas – aquelas em que pequenos grupos de pessoas, representativos dos diversos estratos sociais, são reunidos em salas fechadas para ver o filme e debater as questões colocadas pelos pesquisadores. Essas pesquisas mostraram que o eleitor queria mudança – e daí todos os candidatos entenderam que precisavam ser de oposição. Mesmo quando eram governo. Em Santa Catarina, o governador Esperidião Amin espalhou cartazes que diziam: “Amin, porque a mudança precisa continuar”. Não colou. Assim como não colou Serra dizer que falava em nome do “governo Serra”. Alckmin, entretanto, colou quando defendeu seu governo e o de FHC, ali onde se juntavam. Por exemplo: sustentou as privatizações (demonizadas pelas oposições em geral), defendeu o acordo de dívida com o governo federal, orgulhou-se de pagar as prestações em dia e mostrou como isso beneficia São Paulo – enquanto outros governadores e candidatos diziam que os Estados eram sufocados por tais pagamentos. Enfim, é de se notar: Alckmin, com o desgaste de oito anos de governo, num momento de dificuldades econômicas que afetaram mais o Estado mais avançado, ganhou do PT, na terra do PT. De algum modo, o governador paulista conseguiu associar continuidade de um bom governo com esperança de melhoras à frente. Sua insistência em mostrar o que já se estava fazendo credenciou-o a pedir o voto para fazer mais ou mesmo para mudar. Em outras palavras, se fosse apenas para seguir as pesquisas qualitativas, talvez nem fosse candidato. Vários leitores e leitoras tocaram nesse ponto: a capacidade de um verdadeiro líder de convencer e persuadir. O leitor Alfredo A. Schnabel Fuentes lembrou-se de Margareth Thatcher: "O consenso é a negação da liderança." E aproveitou para enfiar uma crítica à idéia de pacto social do presidente eleito Lula. Mas isso é outra história. Publicado em O Estado de S.Paulo, 02/12/2002

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