OS DILEMAS DO PR PARA IR AO CENTRO

. A ruptura necessária do PT … com o PT   Então ficamos assim. O mercado tinha razão e o PT já está mudando seu discurso. Depois de demonizar o mercado, classificado por Luis Inácio Lula da Silva como um bando de espertinhos, numa reação instintiva ao se sentir demonizado pelo mercado, que havia elevado juros, dólar e risco Brasil num movimento paralelo à ascensão do petista nas pesquisas, o PT levanta a bandeira branca. Numa sucessão de declarações e entrevistas, líderes petistas iniciaram uma manobra na terceira semana de maio com um duplo objetivo. Primeiro, abandonar os documentos radicais, especialmente o “Ruptura Necessária”, um texto esquerdista à antiga que havia sido aprovado no XII Encontro Nacional do PT, em dezembro último, em Recife. Segundo, oferecer ao mercado financeiro, ao invés de uma guerra, um “spa” de paz e tranquilidade, na imagem que o deputado Aloísio Mercadante apresentou num almoço com 200 “traders”, em São Paulo. O segundo objetivo é mais simples, claro. Basta dizer o que o mercado quer ouvir. O primeiro é mais complicado, porque exige uma negociação com as diversas tendências partidárias e mais a militância – o público interno e seus votos. Mas é deste movimento que depende a credibilidade do segundo objetivo. Ou seja, não basta Lula e os principais líderes do PT dizerem que tudo mudou, do programa de televisão às idéias. É preciso que convençam o sobretudo o centro (ou o mercado, ou os investidores, ou o capital, se quiserem). Convencimento e persuasão dependem de bons argumentos, claro, mas também de ações concretas, entre as quais se inclui o afastamento ostensivo de alas radicais. De todo modo, há uma questão preliminar: por que o PT estaria se rendendo ao mercado? Só há uma resposta possível: porque percebeu que a turbulência econômica, a instabilidade e a sensação de medo que derruba cotações favorecem o candidato mais conservador. E mesmo que isso não seja suficiente para tirar a vitória do petista, certamente tornaria sua presidência extremamente difícil, sobretudo nos meses iniciais. Na verdade, antes mesmo de tomar posse, um presidente eleito, em hostilidade com o mercado, já encontraria o cenário tumultuado. E com juros altos, dólar caro e investidores pedindo alto para renovar os papéis brasileiros, lá se vão as promessas de campanha e a chance de um governo tranquilo. Portanto, ao procurar a paz, o PT se comporta como partido que sente a real possibilidade de chegar ao poder. Os leitores e as leitoras sabem: na oposição é fácil, basta atirar pedras. Mas a menor possibilidade de se ocupar a casa já demanda cuidados com o telhado. Quais foram os sinais de fumaça emitidos pelo PT? O maior rolo de fumaça branca foi oferecido pelo deputado Mercadante, candidato ao Senado por São Paulo, e um dos porta-vozes econômicos do PT. Em almoço com o pessoal do mercado, prometeu que um governo petista manterá: a política de superávit primário para equilibrar a relação dívida pública/PIB; a Lei de Responsabilidade Fiscal; o regime de metas de inflação; e a redução responsável dos juros, na medida do possível. Perguntado explicitamente sobre o pagamento dos títulos públicos no vencimento e integralmente, o deputado garantiu que seria assim. Perguntado sobre como seria a renegociação da dívida, citada em tantos documentos do PT, o deputado distribuiu mel para os traders. Disse que só há um meio de negociar dívida, “o Banco Central e o mercado, todo dia”. Nisso, sua declaração casou por inteiro com entrevista que havia sido concedida no final de semana pelo prefeito de Ribeirão Preto, Antonio Palocci Filho, com a autoridade de coordenador do programa do PT. Palocci disse ao jornal O Estado de S.Paulo que os investidores se assustam com negociação compulsória da dívida, mas não quando é feita com “critérios de mercado”, por exemplo, quando o governo oferece e quem quiser troca títulos curtos por outros mais longos. Garantiu que esse é o único sentido da expressão “renegociação”, exatamente como o atual governo faz. Portanto, qual o problema? É saber a credibilidade dessa mudança. Porque não é simples mudança. Isso que os líderes petistas estão fazendo é uma verdadeira “ruptura necessária” com o próprio PT. Necessária para tornar o programa mais moderado. E ruptura de fato, ainda que os líderes estejam tentando fazer uma transição natural. (veja o box) E rupturas não são simples. Não basta jogar fora um documento e preparar outro, como está prometido. Por que as pessoas acreditariam no último e não no primeiro? E não se pode deixar a militância e a esquerda pelo caminho. Luis Inácio Lula da Silva, em longa entrevista na Rádio CBN, mostrou essas dificuldades. Comprometeu-se com inflação baixa, disse que o “ideal” seria algo na faixa dos 2% ao ano, mas que o Brasil está longe desse ideal. Quão longe? Não disse. Talvez por isso não tenha se comprometido com o regime de metas de inflação, embora Mercadante, no mesmo dia, estivesse fechando com as metas tal como hoje fixadas. Perguntado se o BC terá autonomia para fixar a taxa de juros, disse que sim, “mas sob orientação do governo”. Sugeriu “aperfeiçoar” o Copom – Comitê de Política Monetária – talvez com a introdução de outros setores da sociedade. Não entrou em detalhes, mas parece ser a idéia que circulou há algum tempo no PT, pela qual o Copom e o Conselho Monetário Nacional seriam integrados por representantes da sociedade civil, incluindo, por exemplo, donas de casa, de tal modo a se formar uma imensa Câmara Setorial dos juros – uma idéia que não pára um segundo em pé diante da racionalidade econômica. Resumindo: ninguém precisa pedir a José Serra provas de racionalidade econômica. O PT precisa provar e não adianta apontar governos e prefeituras petistas bem administradas. O governo federal é outra história, determina a política econômica, pode destruir as contas públicas e fazer inflação. Atos concretos ajudariam o PT, como retirar processos na Justiça contra a Lei de Responsabilidade Fiscal, apoiar a independência do Banco Central e a institucionalização do regime de metas de inflação, hoje mantido apenas por decreto presidencial. Ajudariam o ambiente econômico, também. Mas esses passos decisivos não foram dados e não é certo que o serão. Por enquanto, portanto, o mercado só vai para spa quando acha que as chances de Serra são maiores. Publicado na revista Exame, edição número 767, data de capa 29/05/2002

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