Governo otimista, fora do governo, pé atrás. Está bom ou está ruim?
Então ficamos assim: a economia brasileira está crescendo mais e melhor a estabilidade macroeconômica é um fato (a dívida externa praticamente desapareceu e a inflação está no chão) o consumo das famílias continua em expansão, o que representa uma virada depois de anos ruins de empobrecimento o mundo (importador de nossos produtos) e as chuvas, que enchem os reservatórios de usinas hidrelétricas, continuam ajudando.
Essas são as boas notícias e não são poucas, convenhamos. São também as mais vistosas ? recorde na venda de automóveis, recorde na venda de computadores, e assim vai. Tão vistosas que escondem as más notícias: os investimentos em infra-estrutura, especialmente em energia, estão travados e/ou muito atrasados, o que compromete a capacidade de crescimento os empresários estão ampliando fábricas antes de instalar novas plantas as reformas estruturais foram praticamente abandonadas, o governo continua elevando seus gastos e tomando uma quantidade brutal (e crescente) de impostos, o que também compromete o crescimento futuro restos de ideologia de esquerda continuam bloqueando investimentos privados.
Esse é o resumo da ópera da semana passada. Resulta da análise do Produto Interno Bruto do primeiro trimestre, divulgado pelo IBGE, da ata do Comitê de Política Monetária do Banco Central (Copom) e dos comentários em torno disso tudo.
Começando pela expansão do PIB. Um indicador pelo outro, pode-se dizer que a economia brasileira cresce a um ritmo pouco superior aos 4% ao ano. É bom ou é ruim?
Diz que uma vez perguntaram a Bertrand Russell: como vai sua mulher? E ele, cabeça de lógico e matemático, hesita por alguns segundos e pergunta: mas comparando com quem ou com o quê?
Assim, comparando com os países emergentes mais importantes, o atual crescimento brasileiro só é mais forte que o do México (2,6%). Está mais ou menos no ritmo da Coréia do Sul, Tailândia, Taiwan, com a desvantagem de que lá os investimentos são muito mais fortes. Os demais crescem acima dos 5% anuais, a maioria acima dos 6%. No ponta de cima, estão China (11,1%) e Índia (9,1%). Nas previsões para o conjunto deste ano, o Brasil de novo só fica à frente do México.
Já comparando o Brasil de hoje com o Brasil do passado recente, o momento atual é superior. De médias entre 2% e 3% de expansão anual, desde a introdução do Real, o país está passando para um nível acima de 4%. E, mais importante, com as condições macro de manter esse ritmo por alguns anos seguidos.
O presidente Lula manifestou desapontamento. Diz que submeteu os ministros Paulo Bernardo e Guido Mantega a um verdadeiro interrogatório. Ele quer os tais 5%, daí para mais.
Será que o presidente faz isso com o objetivo de estimular o ânimo de seus ministros e dos investidores e consumidores? Ou será que ele acredita mesmo que já reuniu as condições nunca vistas na história do Brasil para o crescimento acelerado?
Não é mera especulação. Na primeira hipótese, o presidente estaria disposto a fazer mudanças, a tomar iniciativas sugeridas pelos seus interlocutores. Na segunda, achando que seu governo encaminhou tudo certinho, o presidente vai começar a procurar culpados pelo crescimento abaixo do esperado por ele.
A imprensa é candidata. Já foi responsabilizada pelo mau desempenho do turismo, porque só dá ?notícia de morte? e porque fica falando mal do Brasil, ao contrário do que aconteceria em outros países.
É verdade, por exemplo, que o noticiário policial é mais forte na imprensa brasileira. Mas não é inventado. É até exagerado, meio escandaloso e apelativo em alguns veículos, mas parte de base real: os números mostram que a criminalidade aqui é maior, e muito mais espetacular, do que na Suíça, por exemplo, um dos países citados pelo presidente entre aqueles cujos cidadãos não falam mal de si mesmos.
Quando governantes culpam a imprensa, o roteiro é sempre o mesmo: eles estão fazendo a coisa certa, mas os jornalistas só ficam procurando as ruins, exagerando ou inventando quando não as encontram. Vale para qualquer tipo de noticiário, esportivo, policial ou econômico.
Reclama-se que, em vez de exaltar a festa do Pan, a imprensa só fala das obras atrasadas e mais caras. Na verdade, a imprensa esportiva está animada com o Pan e prepara coberturas especiais mas as obras estão de fato atrasadas e caras.
Na economia, por exemplo, reclama-se que de tanto os jornalistas falarem em ameaça de falta de energia, os empresários e investidores podem acabar acreditando e, assim, adiar negócios.
Aqui é outra divergência explícita e mais difícil de resolver, pois se está falando do que vai acontecer. A imprensa conta os dois lados: o governo jura porque jura que não há risco significativo de falta de energia já entre empresários, consultores e analistas, 100% dizem que o risco é forte. E mais: muitos empresários dizem que investimentos em fábricas novas estão sendo adiados por falta de garantia de energia em particular e de infra-estrutura em geral.
Daí as óperas diferentes. Na do governo, crescimento de 4% é pouco e o PAC vai turbinar isso, se a imprensa deixar. Fora do governo, se der 4,5%, do jeito que está, está mais que bom. E ainda estamos longe das últimas árias.
Publicado em O Estado de S.Paulo, 18 de junho de 2007