O QUE SE FEZ E O QUE FALTA FAZER NO BRASIL

. Gente derrotista, juros altos Há poucas semanas, participava de um congresso que reunia empresários e funcionários do governo FHC. Falavam alternadamente, um empresário, um funcionário, e parecia que estavam tratando de países completamente estranhos entre si. No país dos empresários, faltava tudo por fazer: infraestrutura física (estradas, portos, energia elétrica), financiamento barato para os investimentos, reforma tributária, emendas constitucionais e projetos de lei que arrumassem certos setores, como a construção civil. No país do governo, muita coisa havia sido feita. Desde investimentos básicos (telecomunicações, por exemplo, milhares de quilômetros de novas estradas, modernização de portos, avanços nas ferrovias) até mudanças constitucionais e legais (reformas da Previdência e da administração pública, privatizações, leis que garantem o ajuste das contas públicas, desoneração das exportações, etc. etc.). Cada um ilustrava seus argumentos com enorme quantidade de números e belos gráficos em Power Point. Mais interessante ainda: os funcionários do governo concordavam quando os empresários relacionavam a série de coisas por fazer. Estes, de seu lado, assentiam com movimentos de cabeça quando ouviam os relatos de realizações. Puxa-sacos de parte a parte? Gente que mudava de opinião a qualquer argumento? Na verdade, todos tinham razão ao mesmo tempo. O Brasil de hoje é o caso exato do copo meio cheio, meio vazio. A agenda de realizações de 1994 para cá é impressionante, a começar por sete anos de estabilidade de preços. É verdade que a inflação tem oscilado nesse período, mas isso é normal e não tem nada a ver com o passado de superinflação crônica. Consolidado o Real, a inflação mais alta foi a de 1999, que alcançou 9% no IPCA, num ano de crise e desvalorização selvagem da moeda nacional. Para 2001, debatemos se a inflação vai ficar mais perto de 6% ou de 7% – e não se pode negar que essa é uma mudança notável. Mas a agenda do que falta fazer é igualmente impressionante. Em poucas palavras, o Brasil entrou nos anos 90 com tantos problemas acumulados que por mais que se faça no horizonte de um ou dois governos, ainda se fica no meio do caminho. Não é um caso exclusivo. O mundo todo passou por reformas importantes nos anos 90 e todas na mesma direção. Até os anos 80, o modelo econômico dominante, inclusive no lado capitalista, estipulava um papel crescente para o Estado no investimento direto em infraestrutura e no fornecimento dos serviços sociais (aposentadorias, especialmente, mas também assistência médica e educação). Não por acaso o gasto público aumentou expressivamente em todo o mundo ocidental, mesmo nos Estados Unidos, a pátria do liberalismo. As dificuldades começaram a aparecer no final dos anos 80. De um lado, simplesmente começou a faltar dinheiro. O aumento do gasto público foi financiado com contínuas elevações da carga tributária, até que esta chegou ao limite que a sociedade está disposta a pagar. De outro, o gigantismo das instituições estatais mostrava sua face de ineficiência e corrupção, inclusive nos ricos países europeus. Lembram-se da farra com o dinheiro, as mordomias e os empregos da estatal francesa de petróleo? Coincidindo com a falência do comunismo, iniciou-se a grande reforma liberal do capitalismo, ainda em curso por toda parte. Alguns países se adiantaram mais, outros menos, alguns começaram mais cedo, outros mais tarde. Temo que o Brasil tenha começado mais tarde e com menos entendimento político em torno da algumas tarefas essenciais. Por exemplo: os Estados Unidos discutem o déficit da Previdência lá deles, que deve aparecer por volta de 2025. As contas hoje exibem folgado superávit e o problema é saber como manter esse caixa por mais uns 20 anos, quando o pagamento de aposentadorias vai crescer exponencialmente. Já aqui no Brasil, deixamos que a Previdência entrasse no vermelho e só então começamos a tratar do caso – e na emergência é sempre mais traumático. Por outro lado, avançamos mais que outros países em alguns itens. Por exemplo, a reforma do sistema financeiro está praticamente concluída entre nós. Os bancos que deveriam quebrar já quebraram, os estatais que poderiam ser privatizados, já o foram ou estão em processo. Já na Coréia do Sul e Japão, o grande problema é justamente a situação dos bancos que carregam enorme quantidade de empréstimos podres. É por isso que, pelo mundo todo, se fala de uma fadiga de reformas. A sensação é a mesma: reforma-se aqui, conserta-se ali, privatizam-se algumas empresas, fecham-se alguns bancos, e parece que não se saiu do lugar. Essa é justamente a pior sensação, pois, no limite, levaria à paralisia. De todo modo, funciona aqui a psicologia dos povos, expressa na mídia e na vida política. Alguns valorizam mais o caminho percorrido e, assim, transmitem não propriamente um otimismo, mas a sensação de que a vale a pena continuar avançando nesse caminho. Outros ressaltam o custo da travessia e choram pelo tanto que falta fazer na mesma direção. Resulta não um pessimismo, mas algo pior, a sensação de que é tudo a mesma droga. Parece que aqui no Brasil tendemos mais para o segundo caso. Talvez isso explique por que a taxa de juros aqui é tão alta e por que o dólar sobe tanto, em comparação com outros países com indicadores econômicos parecidos. (Publiocado em O Estado de S.Paulo, 10/09/2001)

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