O que não aparece na campanha
Carlos Alberto Sardenberg
Olhando os grandes números, parece mesmo que a economia brasileira passa por um bom momento: a inflação desacelera, o crescimento acelerou no segundo semestre, deixando um embalo para o final do ano, a taxa de desemprego caiu e não há dificuldades nas contas externas.
Comparando com a situação e as expectativas do início deste ano, o ambiente é claramente melhor. Mas não dá para concluir que isso tudo vai deixar uma boa herança para o próximo presidente.
Começando pelos preços ao consumidor. Pelo IPCA de agosto, divulgado ontem, a inflação em 12 meses caiu para 8,73%, a primeira vez em um ano que fica abaixo dos dois dígitos. Governo e mercado esperam desaceleração lenta porém consistente para os próximos meses.
Essa expectativa faz sentido porque, depois de várias tentativas, finalmente temos uma legislação que garante a independência do Banco Central. Isso permite que a instituição pratique uma política monetária de juros muito elevados mesmo em pleno ciclo eleitoral.
Mais ainda: pela nova lei, o mandato do presidente da República não coincide com o do presidente do BC. O atual chefe da instituição, Roberto Campos Neto, tem mandato até 2024 – e isso significa que a política monetária será mantida nos próximos dois anos. Aliás, a expectativa dominante indica que a inflação chegará na meta (3%) somente em 2024, depois de três anos seguidos de estouros.
No médio termo, está bom, mas em termos políticos há uma óbvia dificuldade. A inflação está sendo derrubada a golpes de juros muito elevados – ou de uma política muito restritiva, como tem repetido os diretores do BC.
“Restritiva” quer dizer uma política que restringe investimentos e consumo. Fica muito caro tomar financiamento para qualquer coisa. E isso limita programas de expansão da atividade e do emprego, que constam da propaganda dos candidatos. Nenhum deles disse até agora como vai agir diante de juros tão elevados por tanto tempo.
Outra dificuldade econômica e política está no elevado endividamento das famílias. Na propaganda eleitoral, as dívidas serão perdoadas, negociadas, reduzidas – enfim, aliviadas. Como?
Ou não há respostas ou há explicações fantasiosas, que colocam no mesmo saco desde dívidas tributárias até carnês em atraso. Não funciona, muito menos enquanto os juros permanecerem elevados.
Há aí, portanto, uma séria restrição ao crescimento econômico.
Tem mais. Como tudo no Brasil, a inflação também é desigual. Quem encheu o tanque em agosto, pagou menos do que no mês anterior. Quem pegou avião, também gastou menos. Mas quem foi ao supermercado comprar alimentos, pagou muito mais.
Em doze meses, a inflação de alimentos alcançou 13,43%, bem acima do índice médio. Preços de comida estão agora subindo menos, mas subindo.
E para ficar nos combustíveis, a queda se deve basicamente à redução de impostos, que arruína a receita de Estados e Municípios. De algum modo, essa receita terá que ser reposta no ano que vem – já que as despesas não caíram. Logo, haverá uma conta para o contribuinte, a ser cobrada pelos novos governantes.
Visto de perto, portanto, 2023 estará assim: inflação caindo, mas ainda pesando no bolso, convivendo com juros elevados para empresas e famílias, a maior parte destas endividadas. Não há como acelerar o crescimento nessas circunstâncias.
A menos que o governo federal coloque um monte de dinheiro novo na economia. Não há esse dinheiro. Ao contrário, o governo Bolsonaro estourou o teto de gastos várias vezes e deixará buracos espalhados para os próximos anos. Fatal. Consequência da política de cortar impostos e distribuir “bondades” sem reduzir despesas. No máximo, adiaram despesas deste para os próximos anos, um baita problema para o sucessor.
Não acabou: o mundo desenvolvido está muito perto de uma recessão (com juros altos) e a China, nossa principal parceira econômica, cresce cada vez menos por causa da política de covid zero, que coloca populações em lockdown praticamente todo mês.
Isso, não se vê na campanha.