O NOVO MÉXICO

. O MÉXICO E OUTRAS HISTÓRIAS Seis anos atrás, o economista Ernesto Zedillo assumia a presidência do México para pilotar uma crise cambial. O país estava sem reservas – e o Banco Central havia escondido o fato – mas até então o México era considerado estrela da globalização de sucesso entre os países emergentes. O mercado demorou para desconfiar e desconfiou quando perceberam os mexicanos comprando e retirando dólares do país. Aíos investidores externos atacaram a moeda e não houve saída senão a desvalorização. O Brasil estava começando o Plano Real. Fernando Henrique Cardoso era o presidente eleito e estava pensando em mudar a política cambial para permitir uma desvalorização do real. Lembram-se? Você comprava um dólar com menos de um real. Com a desvalorização selvagem do México, o plano foi adiado. Houve um princípio de crise financeira internacional, logo debelada com a ação do governo dos Estados Unidos que montou em poucos dias um pacote de US$ 20 bilhões de ajuda financeira. Os EUA, já sob Bill Clinton, tinham interesse direto. Já estava em vigor o Nafta, acordo de livre comércio entre EUA, Canadá e México, que Clinton havia arrancado do seu Congresso com enorme empenho pessoal. Não era nada conveniente que o parceiro comercial entrasse em parafuso e desestabilizasse mercados. Ainda mais que entre os credores estavam bancos e fundos americanos. Com o resgate, o México logo equilibrou as contas externas, mas pagou um preço alto pela desvalorização: a perda de crescimento e a volta da inflação, que passou dos 50% anuais. Aqui no Brasil, passado um certo tempo, o presidente FHC conseguiu aplicar a primeira mudança de política cambial. Foi quando o Banco Central passou a desvalorizar o real sistematicamente, no tamanho da inflação anual. Entendia-se que, tudo calmo no mercado internacional, em breve o real teria a desvalorização necessária para voltar a impulsionar as exportações, sem a volta da inflação. Mas aí veio 1997, a crise dos tigres asiáticos, mais surpreendente ainda porque apanhava as estrelas maiores do mundo emergente. Inclusive a Coréia do Sul, exemplo clássico de país que, em uma geração, havia saltado de muito pobre a quase rico. A turbulência se arrastou até a desvalorização do real, janeiro de 1999. Visto em retrospectiva, portanto, o ciclo de crises cambiais começou no México em dezembro de 1994 e veio terminar aqui quatro anos depois. Agora assume o novo presidente do México, Vicente Fox, o primeiro presidente da era moderna que não pertence ao PRI (Partido Revolucionário Institucional – nome que é uma contradição, pois as revoluções são para derrubar instituições, mas que cabia bem no México, uma democracia com ditadura de um partido e governos com ideologia nacionalista que promoviam a abertura, globalização e integração com Estados Unidos). A vitória de Fox, ex-presidente da Coca Cola – pode existir simbolismo melhor? – consolida a nova economia, mas rompe com a velha política. E, mais importante, assume sem crise econômica. É curioso. Quando os presidentes eram sempre do PRI, a cada troca havia uma crise. Agora que há uma verdadeira troca de comando, tudo se passa na normalidade política e econômica. Prova de que a democracia funciona melhor? De todo modo, à exceção da pobre Argentina, o mundo emergente está em equilíbrio, com todos os países em crescimento. Inclusive o México: expansão ao ritmo de 7%, inflação de 8,9% e taxa de juros nominal de 17%, tudo anual. O comércio e as contas externas continuam deficitárias, mas parece que, dada a integração com os Estados Unidos, o mercado não está muito preocupado com isso. Curiosamente, o maior problema econômico potencial, para o México e para o mundo, está justamente nos Estados Unidos, no modo de desaceleração da economia americana. Como, apesar dos sustos dos últimos dias, parece que essa desaceleração será suava e controlada, o ambiente para o mundo emergente e para Fox é mais confortável. O problema do novo presidente mexicano é o contrário: o excesso de expectativas positivas que cercam seu governo. O que é globalização? É o seguinte: a rede de supermercados fica na Polônia. O dono é um grupo português. A propaganda é de uma agência brasileira. O diretor dos filmes é um polonês que morou na Inglaterra, na Argentina e fez carreira no Brasil. Tudo funciona muito bem. Os nomes? A rede de supermercados: Biedronka (joaninha). O capital controlador é do grupo português Jerônimo Martins, também dono do Sé no Brasil. A agência de propaganda é a Upgrade, de São Paulo, que entrou na história justamente para fazer os anúncios do Sé. Ficaram bons, por que não tentar na Polônia? Ricardo Braga, diretor de criação da Upgrade, topou e logo deu sorte de encontrar Andres Bukowinski, diretor de alguns dos comerciais mais conhecidos no Brasil, como a série do “garoto da Bombril”, e que já estava trabalhando em Varsóvia. A edição e produção das peças foram divididas entre Varsóvia e São Paulo, a maior parte, especialmente a de maior tecnologia, no Brasil. Eis aí, parece ruim essa globalização? Na mão Os americanos estão colocando um monte de problemas para a contagem manual dos votos. Leva muito tempo, é subjetiva, dá margem a manipulações e por aí vai. Ora, exceto o Brasil, que é o estado da arte com sua votação totalmente eletrônica, o comum no resto do mundo é cédula de papel e contagem na mão. Você dirá: isso no mundo subdesenvolvido, o mundo das fraudes. Mas a Inglaterra não está nesse grupo – e lá é no manual. É verdade que os ingleses não estão felizes com o que chamam de “amadorismo”, mas ninguém lá reclama de subjetivismo. A verdade é que os sistemas eleitorais, em geral, são tecnologicamente atrasados. Uma das razões é econômica: não vale a pena investir num negócio que funciona só uma vez por ano e não raro nem uma vez. Sobretudo quando tudo vai bem, como as máquinas americanas, antigas de décadas. Até que dá errado. Outra globalização E por falar nisso, as máquinas brasileiras de votação são fabricadas pela empresa Procomp, uma empresa instalada em São Paulo, de capital americano. Mas quem bolou a máquina, o programa, foi o pessoal de informática do Tribunal Superior Eleitoral. A Procomp entrou na história porque ganhou a licitação aberta pelo TSE para a fabricação das máquinas. Temos aí, portanto, mais uma da globalização, desta vez uma associação de soft brasileiro – e do setor público! – com hard de multinacional americana. Esse é o tipo do produto ideal para exportação. A Procomp já esteve na Flórida exibindo as máquinas. Mas as vendas externas dependem do TSE. Já que estamos precisando tanto de dólares de exportação, por que o governo não está tratando disso? “No president” A melhor piada sobre a confusão eleitoral nos Estados Unidos foi do “talk-show man” David Letterman. Mais ou menos: “Quer dizer que Busch não é ainda o presidente do Estados Unidos? Quer dizer que Gore também não é? OK, para mim está bom assim”.   (O Estado de S.Paulo, 04/12/2000)  

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