. Sai Hugo Chávez, entra Tony Blair Dólar a R$ 4,00, risco Brasil a 2.500 pontos e Bovespa a 8 mil pontos – esse cenário resultava de uma expectativa segundo a qual Lula ganharia e sua política econômica seria frouxa no combate à inflação, com algum descontrole das contas públicas e, assim, incapaz de gerar crescimento consistente. Não era o cenário do caos, da argentinização, mas de um governo que fracassaria aos poucos. A primeira parte da expectativa se confirmou, Lula tornou-se Sua Excelência o presidente eleito da República, mas a segunda parte mudou para melhor, por uma combinação de dois fatores. O primeiro foi o bom astral no ambiente político, resultado, em primeiro lugar, do modo tranquilo e esperançoso com que o país recebeu a primeira vitória de um líder operário e seu partido de esquerda. Não há dúvida, porém, de que esse ambiente foi também formado pela tranquila e eficiente transição oferecida pelo presidente Fernando Henrique Cardoso, visivelmente satisfeito em passar a faixa presidencial para Lula, tudo criando um inédito clima de normalidade política. É preciso reparar: é a primeira vez na história nacional que a esquerda vence, com um candidato popular, e a transição parece a coisa mais simples do mundo. Finalmente, esse ambiente de paz foi coroado pelo discurso de Lula, de sua vez oferecendo entendimento e negociação para um governo suprapartidário. Para reforçar esse propósito, foi importante a designação do moderado prefeito de Ribeirão Preto, Antonio Palocci, para coordenar a equipe de transição. Definido esse quadro político-institucional, o segundo fator que fez melhorar a expectativa em relação à futura política econômica veio com as declarações de Lula e seus principais colaboradores, sempre na direção da moderação e da austeridade. Renovaram as promessas do final da campanha – superávit primário, austeridade fiscal, cumprimento dos contratos, combate à inflação, câmbio flutuante – e ainda acrescentaram que um objetivo para o primeiro ano de governo seriam as reformas tributária, previdenciária, trabalhista e agrária (sendo de reparar a menção a esta última como apenas uma entre outras). O pessimismo, que já vinha perdendo fôlego às vésperas da eleição, finalmente cedeu. O dólar voltou para a casa dos R$ 3,50, o risco Brasil para a dos 1.600 pontos e a Bovespa ultrapassou os 10 mil pontos. Bem melhor que antes, sem dúvida, mas ainda muito longe do ambiente que se verificava em março e abril, quando a campanha eleitoral estava começando. Lembram-se? Dólar a R$ 2,30, risco Brasil a 700 pontos e Bovespa acima dos 14 mil. Ou seja, o país está recebendo bem a eleição de Lula, mas é preciso admitir que não saiu barato no campo econômico-financeiro. A inflação saltou para um patamar acima, a dívida pública escalou com o dólar caro e o ritmo crescimento, já lento, reduziu-se ainda mais com os juros mais elevados, a falta de investimento e de financiamento. A questão agora é como recuperar esse prejuízo. E a novidade pós-eleição foi justamente o surgimento de uma expectativa que se não é de todo positiva, ao menos admite a possibilidade de uma boa política econômica no próximo governo. Boa, neste caso, significa simplesmente uma política apertada, severa no controle da inflação (e, pois, com juros altos) e austera nas contas públicas de modo a gerar o superávit primário definido no acordo com o Fundo Monetário Internacional e necessário para pagar parte da conta de juros. A dúvida sempre foi se um governo Lula conseguiria executar tal política, uma vez que o PT e seus associados (CUT e MST, por exemplo) estavam comprometidos com demandas cujo atendimento liquidaria as contas públicas. Para citar apenas duas: salário mínimo de 100 dólares e forte reajuste dos salários (e, pois, aposentadorias) dos servidores públicos federais. Em resumo, a expectativa pessimista (do dólar a R$ 4,00) via o governo Lula como mais uma provável experiência de populismo de esquerda que dá inflação, quando é mais ou menos ruim, e inflação, recessão e calote, quando muito ruim. Essa desanimadora expectativa deu lugar, nas duas últimas semanas, à esperança de que possa resultar um moderno governo de esquerda ou, vá lá, centro-esquerda. Isso existe, sim senhor, sim senhora. Há um exemplo bem ao lado, o Chile, do presidente socialista Ricardo Lagos. Trata-se de um governo que combina fortes ações sociais e políticas distributivas com uma política econômica conservadora. Simplificando, de esquerda no social, de centro-direita na economia. Ou, como se diz no Chile, é preciso ser conservador na economia, para poder ser progressista no social. Bem aplicada, a fórmula agrada mesmo os mercados mais ortodoxos. Na economia, reforça o mercado, o capitalismo. No social, o combate à pobreza e à má distribuição de renda constitui um fator essencial para reduzir o risco país, na medida em que diminui a instabilidade social. E foi justamente nessa direção que Lula apontou quando combinou as declarações pró-política econômica clássica com o lançamento do Programa Fome Zero. Sabe-se que a política econômica apertada impõe um adiamento nas promessas de crescimento e emprego. Esperançosa e animada com seu presidente eleito, a população pode dar um tempo ao novo governo. Mas não muito se não vê nada de novo acontecer. A circunstância muda quando o governo começa a atender a demanda por justiça social com um programa de combate à fome, expressão mais aguda da pobreza. Assim, o sucesso do Programa Fome Zero é tão importante quanto a manutenção do superávit primário. O social atende o eleitorado, o superávit, o mercado. E, mais do que isso, um governo bem sucedido nesses dois pontos tem moral para propor a votação das difíceis reformas previdenciária, tributária e trabalhista. Um presidente de esquerda populista não avança porque cede às pressões das corporações e sindicatos. Já um presidente de esquerda que consiga combinar o social com a estabilidade econômica, obtendo resultados nas duas pontas, tem força para pedir que seu pessoal espere e tope sacrifícios por ora. Eis aí o que se vislumbrou nas últimas semanas, um governo de esquerda razoável, ao estilo europeu. Sai Hugo Chaves, entra Ricardo Lagos, ou Tony Blair. Mas, atenção, trata-se apenas de uma possibilidade imaginada. O caminho para sua realização vai exigir do presidente eleito passos firmes, sem um tropeço sequer. E os próximos passos a acompanhar não são poucos, nem fáceis: salário mínimo, salário do funcionalismo, novas receitas para fechar a conta no Orçamento da União, a formação da equipe econômica, votação das Medidas Provisórias que tratam das carreiras do funcionalismo público, negociação com missão do FMI que vem neste mês. Tudo considerado, passou-se a admitir que o governo Lula tem uma chance de êxito. Mas escassa margem de erro. Assim como melhoraram rapidamente, os indicadores financeiros podem piorar ainda mais depressa e lançar o novo governo numa crise devastadora, tipo dólar a R$ 5.00. Como já se disse, o povo vota a cada quatro anos, o mercado, a cada dia útil. Publicado na revista Exame, edição 779, data de capa 13/11/2002
O MERCADO ESPERA UM LULA/TONY BLAIR
- Post published:9 de abril de 2007
- Post category:Coluna publicada em O Globo
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