O LIBERALISMO ESTARIA DE VOLTA? (2)

.  Triunfo liberal (2)      
Por que os partidos e as principais lideranças políticas fugiram de uma posição mais firme em torno do referendo sobre o comércio de armas? Há vários  motivos, por certo, mas apenas um é o nosso assunto aqui: o temor, a dúvida, a desconfiança em relação à possibilidade de êxito de uma postura liberal. No começo do debate, a escolha parecia fácil: pela proibição da venda. Dois fortes motivos estimulavam essa posição. Primeiro, parecia que esse seria o lado vencedor. E segundo, porque parecia o politicamente correto. Não era mesmo a opção de todo mundo de bem?     
Bateu a dúvida quando a campanha pela venda de armas, ou pela liberdade de comércio, começou a crescer. Confirmada essa tendência, como, afinal, foi o caso, quais seriam os vencedores? A truculenta bancada da bala? Ou os liberais, o pessoal sério para o qual o Estado brasileiro já é grande demais e tem poder excessivo sobre a vida dos cidadãos?  Pode não ter sido o único, mas houve um componente liberal no voto não, um protesto contra o tamanho, o peso e a incompetência do Estado.     
Ainda assim, persistiu entre políticos e os membros da elite uma  dúvida era mais ampla: haveria no Brasil um pensamento liberal que ganhasse referendos em cima do politicamente correto?     
Eis o ponto: o que nos falta é uma boa direita, aquela clássica, liberal, que sempre desconfia do Estado, vendo nele um potencial permanente de opressão e, por isso, defende, como sagrada, a liberdade individual. Cadê o nosso Ronald Reagan para fazer campanha com o mote ?tirem o Estado de nossas costas?? E onde estaria a nossa Thatcher com sua fúria privatizante?     
Para esses dois, o referendo não causaria a menor ponta de dúvida. É óbvio, diriam, que o Estado não tem o direito de impedir que as pessoas escolham se querem ou não ter uma arma em casa. É questão de princípio.     
Na pior das hipóteses, a presença de uma tal direita serviria para esclarecer o ambiente político.     
No Brasil recente, entretanto, a agenda liberal caiu em mãos indevidas ou inadequadas. Fernando Collor pescou a idéia no final dos anos 80, mas foi algo entre intuitivo e oportunista. Faltou-lhe consistência para tocar o programa, sobrou-lhe corrupção.     
De todo modo, foi impressionante como o governador de um pequeno estado, sem partido, ganhou peso nacional com um discurso inteiramente liberal, inédito entre nós. Para falar a verdade, antes dele Mário Covas havia esboçado um movimento nessa direção com seu discurso por um ?choque de capitalismo?, com o qual se lançara candidato à Presidência da República, em 1989. Mas logo, pressionado pela esquerda social democrata, abandonou a idéia ? em parte capturada por Collor. Que ganhou e rapidamente estragou tudo.     
A agenda liberal haveria de voltar com Fernando Henrique Cardoso, agora com muito mais consistência, amparada no Plano Real e em ampla base partidária. Mas uma base heterogênea, na qual a força dominante, o PSDB do presidente, ainda não havia entendido os novos tempos. Sérgio Motta, por exemplo, comandante da megaprivatização das telecomunicações, não queria ouvir falar disso quando assumiu o Ministério, em 1995.     
Ou seja, a agenda liberal estava em mãos inadequadas, não raro envergonhadas. Ou revoltadas. Mario Covas nunca se conformou com a privatização do Banespa. Muitos tucanos nunca se conformaram com privatização alguma. Não foi por acaso que o programa, diante dos menores sinais de fadiga, acabou rapidamente abandonado.     
Na eleição presidencial de 2002, a agenda liberal sumiu. Lula se apresentou com sua federação das esquerdas, contra o neoliberalismo. E Serra também se apresentou como um tipo de oposição a FHC, especialmente à sua política econômica. Por isso, aliás, perdeu. Se era para mudar tudo, então Lula era o cara. Só que este ganhou e não mudou a política econômica ? a tal que era neoliberal e agora é apresentada como o que mesmo?     
Não importa o nome, mas o fato é que, de novo, ninguém assume a agenda liberal. Parece que os políticos brasileiros continuam convencidos de que isso não dá voto, apesar do exemplo de Collor.     
E apesar de fatos como o do referendo das armas. Reparem: uma campanha maciça do pessoal do politicamente correto foi fragorosamente derrotada. Isso deve trazer alguma dica.     
E é a seguinte: a agenda liberal continua pingando na pequena área. Um exemplo evidente está na postura de um número crescente de empresários e executivos modernos, espalhados pelo mais diversos setores da economia e em todas as regiões do país. É gente moderna, diferente da clássica elite empresarial brasileira que não tem nada de liberal. Ao contrário, esta quer mais Estado ? Estado que proteja contra a concorrência externa e a competição interna e que ofereça crédito especial.     
Esse outro pessoal quer menos Estado, quer liberdade para fazer negócios, com leis e regras, por certo, mas com instituições que favoreçam a livre iniciativa. Esse pessoal já faz isso, já construiu empresas e negócios que prosperam sem proteção e sem subsídio do governo.     
Então, qual o problema, dirá o leitor?     
O problema é que o ambiente de negócios no Brasil está bloqueando o avanço daqui em diante. As empresas enfrentam problemas para crescer e para se expandir.        
Juros altos e dólar muito barato são problemas reais, mas esse pessoal está mais preocupado com as dificuldades para se abrir uma empresa, para fazer valer um contrato no Judiciário, para contratar e demitir, para obter licenças variadas de funcionamento. Preocupado também com o volume de  impostos a pagar e mais preocupado ainda com a complicação do sistema tributário. É difícil e caro pagar os impostos, sobretudo quando a empresa está naquele ponto entre média e grande.     
Esse pessoal vota em quem sair por aí proclamando ?tirem o Estado de nossas costas?, prometendo uma gestão pública eficiente e honesta. E o povão? Também votará, se estiver convencido de que haverá crescimento econômico e fim dos privilégios (como votou em Collor). Sobretudo depois do imenso fracasso representado por Lula, que tinha uma grande política de redenção para tudo, da segurança à seca do Nordeste, e simplesmente não entrega. E o que entrega é a política econômica do outro.     
Os eleitores querem coisas mais simples e que funcionem por conta deles.     
Acho. Publicado em O Estado de S. Paulo, 07/novembro/2005 (O primeiro artigo saiu em 31/10/05)

Deixe um comentário