O GOVERNO LULA DECIDE; FAZER É OUTRA É COISA

. Tomar decisões é fácil, difícil é governar A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) já concedeu alguns reajustes de tarifas elevados – como o fixado pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) para os telefones residenciais – mas a ministra de Minas e Energia, Dilma Roussef, não está mobilizando CPIs, Procons e o Judiciário para tentar derrubar os aumentos. O ministro das Comunicações, Miro Teixeira, diz que está perfeitamente dentro do marco legal ao incentivar uma CPI e ações na Justiça contra o que considera uma ilegalidade praticada pela Anatel. Mas os ministros da Reforma Agrária, Miguel Rossetto, e da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, não manifestam a mesma indignação com as sucessivas ilegalidades praticadas pelo MST, nem vêm necessidade de levá-las aos tribunais. O governo Lula está assim, cada ministro na sua. É normal que haja divergências entre ministros, especialmente na disputa pelo dinheiro do Orçamento, sempre escasso. Mas o caso atual vai além disso. Parece que cada ministro toca o serviço como bem entende, cada um com sua própria orientação política. Isso é resultado do modo como o presidente Luiz Inácio Lula da Silva montou sem ministério, ampliado para dar lugar a diversos setores, partidos, alas e tendências. A salada poderia ganhar alguma consistência se o chefe determinasse o tempero, mas Lula flerta com todo mundo. Outro dia, ao lado de seu ministro da Agricultura, reuniu-se com os fazendeiros do agronegócio para elogiar sua capacidade de produção e exportação. Semana passada, o presidente bateu um papo legal com o pessoal do MST, que agora está achando que pode invadir terras produtivas, pois agronegócio é um modo capitalista de explorar o campo, coisa que o movimento abomina. De novo, o presidente, em qualquer país, deve ser o presidente do país e, pois, conversar com todos. Na verdade, quase todos, porque há limites. Lula não pode ao mesmo tempo botar o boné vermelho do MST e alinhar-se com os produtores rurais. Não pode ser comunista e capitalista ao mesmo tempo – habilidade reservada exclusivamente aos chineses e sua criativa retórica (por exemplo: privatizar uma estatal é devolver a empresa ao povo). Diz o ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu, que o fato de o presidente receber o pessoal e deixar-se fotografar com o boné não significa que ele apóia todos os métodos do MST. Pode ser. Mas aqueles gestos não foram isolados. Eles cabem perfeitamente numa sequência que mostra seu governo ou apoiando o MST, como fazem o ministro Rossetto e o Incra, ou tolerando passivamente e desculpando todas as ilegalidades praticadas e alardeadas pelos líderes do movimento. De outro lado, a politização que Miro Teixeira imprimiu ao assunto das tarifas telefônicas não combina com o que fazem e pensam outros setores do governo e do PT. O pessoal da Fazenda, por exemplo, participou das negociações com a Anatel em torno dos últimos reajustes e há sinais que achou razoável o desfecho da história. Perguntado na última sexta sobre o que achava da posição de Miro – a de apoiar CPIs e promover as ações judiciais – o ministro Antonio Palocci não se comprometeu: “é a posição dele”, disse apenas. Já o deputado Jorge Bittar (PT-RJ), o quadro da base aliada que mais entende de telecomunicações, considerou “leviana e populista” neste momento a proposta de criação da CPI das Teles. Para Bittar, que dedicou boa parte de seus mandatos às telecomunicações, todas as informações sobre o assunto estão disponíveis na própria Anatel ou podem ser obtidas facilmente, sem barulho, por comissões regulares do Congresso. Em tempo, o deputado considerou razoável e, sobretudo, de acordo com os contratos, o último reajuste de tarifas. Há suspeitas de que Miro Teixeira seria candidato ao governo do Rio e já estaria tratando de levantar suas bandeiras. O ministro nega e admitamos que esteja dizendo a verdade. Não é esse o ponto. O problema está na dispersão e nas trombadas do governo Lula. O ministro Palocci disse no final da semana passada que o primeiro momento de sua política foi o de buscar credibilidade. Ora, uma das medidas da credibilidade, a mais importante, é o risco país, critério utilizado pelos investidores. Por isso, Palocci comemora, com razão, o fato de o risco Brasil ter caído de 2.400 pontos (no auge da crise de confiança, em setembro do ano passado) para a faixa dos 700 pontos. Não é algo abstrato. O risco mede quanto os títulos de um país pagam de juros acima dos títulos do governo americano. Assim, risco de 2.400 pontos significa que os papéis brasileiros pagavam taxa de juros, nos financiamentos internacionais, de 24 pontos percentuais acima dos títulos americanos. Se estes estavam a 4% ao ano, o papel brasileiro saía a proibitivos 28%. Imagine a situação das empresas que precisaram renovar seus financiamentos naquele momento. Hoje, com o risco a 700 pontos, a taxa de juros paga pelo Brasil cai para 11%, que é alta, mas menos de metade da anterior. Pois para o ministro Miro Teixeira, isso de ter medo do risco Brasil é “cultura de colonizado”. E assim vamos. Uns ministros querem os transgênicos, outros sentem arrepios com isso. Uns querem a Alca, outros querem distância de tudo que passa perto dos Estados Unidos. Uma diz que o preço da gasolina vai cair, outros explicam que é não bem assim. Esses embates retiram energia do governo, geram desconfianças. As coisas não andam também porque o novo governo está caindo numa armadilha que é fatal: promete, toma decisões, alardeia isso e esquece de administrar, isto é, de implementar as políticas. Exemplos: o governo diz que está tomada a decisão de acelerar a reforma agrária . . . mais à frente, na medida dos recursos; diz que está tomada a decisão de reduzir o preço do gás de cozinha . . . quando os estudos ficarem prontos; também está tomada a decisão de reduzir o preço da gasolina …. mas não amanhã, nem depois, porque há uma questão de timming; o governo tomou a decisão de liberar dinheiro para as prefeituras aplicarem em saneamento … mas as prefeituras não podem se endividar mais. Aí o pessoal reclama que as regras de financiamento das prefeituras são muito estreitas. Tudo bem, mas governar é justamente isso, administrar essas regras, mexer os pauzinhos para destravá-las, negociar com as diversas áreas envolvidas. Em resumo, trata-se de um trabalho penoso e chato – nada comparável à glória de juntar mais de mil prefeitos e anunciar a liberação de bilhões de reais pela primeira vez na história do Brasil. O ministro José Dirceu disse que o governo está trabalhando em silêncio. E que, neste primeiro semestre, concentrou-se e resolveu algumas questões chaves, como o desarme da bomba econômica, o encaminhamento das reformas, o apoio ao agronegócio e à exportação, e o deslanche da agricultura familiar. Nos dois primeiros casos, tem razão: a crise de confiança na economia foi inteiramente superada, o surto inflacionário, debelado. E o encaminhamento das reformas surpreendeu positivamente. Ainda não estão votadas, mas a maioria dos analistas aposta mais no sucesso do que no fracasso. Nos outros casos, o ministro não tem razão. O agronegócio vai sozinho há bastante tempo. Muita gente acha que seu sucesso vem justamente de depender quase nada do governo. Quanto à agricultura familiar, ainda não aconteceu nada. O governo anunciou uma boa grana para o setor, mas agora é que começa a administração dos financiamentos. O resto é decisão anunciada em grande estilo e brigas internas. Dizem que o presidente Lula não quer saber de reforma ministerial antes do final do ano. Seria melhor que repensasse isso. Publicado em O Estado de S.Paulo, 07/07/2003

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