O FMI E O GOVERNO FACILITAM PARA A OPOSIÇÃO

. A COISA CERTA O erro mais comum que se comete nas análises econômicas e políticas é supor que ninguém vai fazer nada diante das ameaças. Ou, dizendo a mesma coisa de outro modo, que as pessoas no comando constituem um bando de idiotas incapazes de entender e operar a situação. Não que não haja idiotas no comando. Mas, se a gente aqui de fora está vendo os perigos, por que o pessoal que está tocando o serviço – em geral mais provido de informações – não haveria de enxergar? O financiamento que o FMI ofereceu ao Brasil – os US$ 30 bilhões – foi recebido com surpresa pelo tamanho – um "Exocet", se disse – e pela rapidez com que se amarrou a coisa. Mas todos os que se surpreenderam diziam na véspera: um colapso do Brasil arrasta muita gente, inclusive a reputação do próprio FMI; o apoio do FMI, portanto, é a única saída; os homens têm de agir rápido; qualquer coisa abaixo de US$ 15 bilhões é mixaria; e por aí ia. Eis aí, a equipe econômica brasileira, o FMI e o próprio governo americano – que há poucas semanas dizia que esse negócio de ajuda financeira já era – pensaram exatamente do mesmo modo. Em uma semana e meia montaram um superpacote, mais do que o necessário, para mostrar, como observou o presidente Fernando Henrique, que é na base do "nem vem que não tem". Convenhamos. Depois do fracasso, reconhecido, na Argentina, o FMI poderia se arriscar a mais um desastre e logo com o Brasil, de porte muito maior e que desde 1998 cumpre rigorosamente as metas firmadas como próprio Fundo? É por isso que, além do volume do dinheiro, o FMI fez concessões à realidade política brasileira. Por exemplo, ao contrário do que se previa, não pediu um superávit primário maior. A razão é simples: seria pedir aos candidatos mais do que eles podem oferecer, sobretudo no caso de Luís Inácio Lula da Silva. Afinal, no caminho da moderação e no esforço para acalmar os mercados, o candidato já havia escrito, em carta ao País, que aceita o superávit primário necessário para equilibrar a dívida enquanto isso for necessário. Depois, a bancada do PT votou as leis orçamentárias que fixam o superávit de 3,75% do Produto Interno Bruto, o que é uma tremenda limitação ao gasto público. Já era bastante para um partido e um candidato que viviam reclamando das imposições do FMI. Se o Fundo e o governo FHC pedissem mais, é claro que Lula não poderia topar. E aí iria tudo por água abaixo. Eis aí, o bom senso começa a prevalecer. Dos candidatos de oposição, Lula, de modo mais claro, caminhou para a moderação, mudou posições, aceitou pontos difíceis, tudo culminando na nota oficial de quinta-feira em que apóia o acordo com o FMI. Ciro Gomes ainda vacila, alterna declarações mais moderadas com bravatas eleitorais, que confundem os meios econômicos e causam instabilidade nos mercados. Mas é cada vez mais pressionado a declarar-se a favor dos pontos clássicos tais como austeridade fiscal, superávit primário e respeito aos contratos. O cenário que se tinha até meados da semana passada, aqui e no mundo, era o de puro desastre. No mundo, por exemplo, os dados mostrando desaceleração das economias americana e européia foram tomados como pá de cal nas expectativas para este ano. O mundo vai para a recessão, parecia o estado de espírito do condenado à morte. De repente, as bolsas americanas, o melhor termômetro, começaram a subir. É que alguém lançou a pergunta: e se os bancos centrais dos EUA e da Europa reduzirem os juros e tomarem outras medidas para estimular a economia? De novo, a mesma questão. O cenário do desastre partia do princípio de que ninguém ia fazer nada, que o FMI se conformaria com o colapso do Brasil assim como as autoridades monetárias e governamentais nos EUA e Europa considerariam a recessão uma fatalidade. Não quer dizer que vai dar tudo certo. Mas quer dizer que há pessoas no comando que fazem a coisa certa. Nem sempre, às vezes, diriam os céticos. Tudo bem, mas há sempre uma boa chance de que o pior não aconteça e que o bom senso prevaleça tanto na situação quanto na oposição. Olhando para trás, verifica-se que isso acontece mais do que se imagina. Observando – O presidente da Argentina, Eduardo Duhalde, e Lula disseram outro dia coisa parecida: que a situação de Brasil, Argentina e Uruguai demonstrava o fracasso do modelo do FMI; ou que o FMI estava precisando consertar o estrago que havia causado. Mas aí convém dar uma olhada pelos demais países. Chile e México, os países latino-americanos mais avançados no modelo neoliberal e na globalização, vão bastante bem obrigado. Sofrem com a desaceleração mundial, mas não chegaram nem perto de uma crise. Na Ásia, a Coréia do Sul e a Tailândia, por exemplo, também "vítimas" de programas do FMI, e economias mais integradas à globalização, também seguem mais do que razoavelmente. Idem para a Rússia. Já o Uruguai foi o país que mais resistiu ao modelo neoliberal. Em um país no qual uma em cada cinco pessoas está aposentada – e só tem previdência pública – e onde a categoria de trabalhadores mais numerosa é de funcionários públicos ou de estatais, a privatização e as demais medidas de liberalização da economia e reforma do Estado foram simplesmente esquecidas. Resultado, dificuldades nas contas públicas, incapacidade total de dinamismo econômico. A Argentina é um caso mais complicado. Avançou nas reformas até um certo ponto e aí parou, por obstáculos políticos e por corrupção e ineficiência, sobretudo nas privatizações. Sem contar a demora em sair do câmbio fixo, regime aliás que não tem nada de neo ou simplesmente liberal. Não se fez nenhum ajuste nas províncias (estados), cujas contas chegaram a uma situação deplorável. Ficou a meio caminho, que é a pior política econômica. O Brasil também não completou as reformas, mas sem dúvida foi bem mais longe que a Argentina. A questão agora é como avançar sem desmontar o que já se fez. Questão para o próximo presidente. Publicado em O Estado de S.Paulo, 12/08/2002

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