O DILEMA DOS JUROS ALTOS

. JURO ALTO DIFÍCIL DE EXPLICAR         
Um pelo outro, os indicadores brasileiros não são muito diferentes daqueles verificados nos demais países emergentes. Alguns melhores, outros piores, o Brasil vem equilibrando o jogo de uns tempos para cá. Tomem-se os grandes números: segundo o FMI, o mundo emergente cresceu 7% no ano passado e avança um pouco menos que isso em 2005. A inflação média está na faixa dos 5,5% anuais. O Brasil cresce um pouco menos (5,2% em 2004, expectativa de 4% neste ano), com inflação atual também um pouco mais elevada, em torno de 7%, mas com prognóstico de redução.     
Levando em conta que as taxas de crescimento são, de novo, puxadas pelos tigres asiáticos, o Brasil não está mal. E certamente está melhor no setor externo. As exportações dos países emergentes e em desenvolvimento cresceram  14% no ano passado e devem aumentar mais 10% em 2005. No Brasil, os números são de 31% e não menos que 8%.     
E assim vai. O que não combina é o quesito taxa básica de juros, aquela fixada pelo Banco Central. Descontada a inflação passada, pelo IPCA, a taxa real brasileira passa dos 11% ao ano. Descontada a expectativa de inflação, passa dos 12%, recorde mundial absoluto. O país emergente relevante que vem em segundo lugar é a Turquia, com taxa real hoje entre 8% e 9%, e um detalhe. O banco central deles vem reduzindo os juros nos últimos meses, com a inflação também em queda e a economia crescendo mais de 6%.     
Diversos outros indicadores turcos são bem piores que os brasileiros. Por exemplo, a dívida pública lá equivale a 85% do Produto Interno Bruto. No Brasil, 52%. O déficit público nominal na Turquia é de 11% do PIB. No Brasil, menos de 3%. A exportação anual turca equivale a um terço da dívida externa. No Brasil, a metade. Ou seja, a Turquia precisa de três anos de vendas externas para empatar com o montante atual da dívida. O Brasil, apenas dois.     
São indicadores importantes para a fixação da taxa de juros. Um deles mostra que o Brasil tem mais capacidade de gerar os dólares necessários para o pagamento de seus compromissos externos. De outro lado, quanto maiores déficit e dívida públicos, maior a desconfiança dos investidores quanto à capacidade de pagamento do governo. Logo, exigirão prêmios maiores para financiar essa dívida.     
Ou seja, com inflação menor, crescimento menor e dívida menor, o Brasil deveria ter juros reais menores que os da Turquia, na verdade, bem menores.     
Considerados os emergentes mais importantes, o Brasil de fato tem indicadores piores. China, Coréia do Sul e México, por exemplo, têm dívidas pública e externa muito reduzidas. Todos cobrem os compromissos externos com alguns meses de exportação. Como proporção do PIB, a dívida pública mais alta é a do México, com 25%, metade do nível brasileiro. A maior inflação também é a do México, 4,5% anuais.      
Não por coincidência, a taxa real de juros é mais alta no México, hoje de 4,3%. Na Coréia do Sul, é praticamente zero. Na China, 3%.     
Tudo bem, eles merecem. Mas é preciso reparar: a taxa mexicana é a metade do melhor resultado já obtido pelo Brasil em anos recentes, os juros reais de 8% na média de 2004. É verdade que, em 2002, a taxa real média ficou nos 6%, mas o ano foi totalmente atípico dada a crise de confiança gerada pela eleição de Lula. A inflação, IPCA, alcançou 12,5% e a taxa do Banco Central foi baixa no começo do ano, dando uma média de 19%. Ou seja, os juros reais médios caíram por maus motivos. E no final do ano já estavam lá em cima.     
Já 2004 foi um ano normal, com crescimento em alta, inflação em baixa na maior parte do tempo e melhora em todos os indicadores referentes às contas públicas e externas. Boa parte desse bom desempenho se explica justamente pelos juros reais mais baixos ? 8% na média, menores no início do ano, em alta a partir de setembro, quando o Banco Central começou a elevar a taxa básica para combater pressões inflacionárias.     
Ainda assim, o melhor resultado brasileiro no quesito juros equivale ao dobro da taxa mexicana atual. No momento, é o triplo ? e não há sinais de que a situação brasileira tenha piorado. Ao contrário, no geral, pode-se dizer que o Brasil hoje está melhor que no ano passado.     
Resumindo, o Brasil está pior que os melhores emergentes, mas empata com a média, ganha de muitos.  Não faz sentido ter o atual nível de juros.     
O que acontece?     
Uma resposta é simples. Diz que esse pessoal do BC é um bando de loucos que bebe gasolina ou simplesmente está a serviço de banqueiros ladrões. A solução seria trocar todo mundo e colocar lá economistas puros que reduziriam a taxa de uma tacada e/ou suspenderiam o pagamento.     
Mas o pessoal do BC não é louco. Ao contrário, é sábio e competente. Basta ler os documentos teóricos e os relatórios do banco, todos de altíssima qualidade. Convincentes, mesmo. Quanto á conspiração pró-banqueiros, não faz sentido. No governo Lula? Além do mais, a maior parte da dívida pública brasileira ? que paga os juros astronômicos ? está com a classe média e com as empresas locais.     
Mas o economista José Alexandre Scheinkman também não é louco nem pela esquerda nem pela direita. Professor em Princeton, é um dos economistas mais respeitados do mundo. Se fosse feita uma classificação, ele cairia entre os conservadores e clássicos. Pois ele vem dizendo que não conhece modelos teóricos nem empíricos que expliquem os juros reais brasileiros de 12% ao ano.     
Por aí, o BC poderia e deveria tratar de reduzi-los e testar níveis mais baixos. Mas um BC que não é formalmente independente e ainda forma sua credibilidade, poderia se arriscar a deixar escapar a inflação? Diretores de BC são cautelosos no mundo todo.     
De todo modo, a pista aberta por Scheinkman é importante: haveria espaço para juros menores já, mantidos todos os parâmetros do sistema de metas de inflação.     
A médio prazo, há estudos criativos mostrando que os juros no Brasil dependem muito de fatores institucionais e culturais. O poupador, por exemplo, não gosta de deixar seu dinheiro ?preso? em aplicações de longo prazo. Quer liquidez diária porque acha que pode precisar sacar tudo para fugir de confiscos de algum governo. O emprestador também não quer negócios longos, dadas as incertezas em torno dos contratos, sempre passíveis de mudanças e reinterpretações na justiça. Falta-nos assim um mercado financeiro de longo prazo em reais ? e essa é certamente uma causa de juros altos.     
A recente experiência do crédito consignado ? empréstimo com desconto em folha de salários ou do INSS ? é um excelente indicador. Financeiras anunciam empréstimos na hora ?sem consultas?. É claro. Recebem o pagamento diretamente da empresa ou do INSS. Os juros despencaram e o crédito aumentou.     
Mas a prática ainda depende de um teste na justiça. Se os juízes suspenderem o desconto em folha, para defender o devedor, o sistema acaba e se prova outro grande problema dos juros altos: o viés anticredor das instituições.     
Resumo da ópera: o Brasil precisa de algo mais além dos bons indicadores econômicos. Revista Exame, edição 841, data de capa 27 de abril de 2005

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