O Centrão e o Centro ganharam
Carlos Alberto Sardenberg
Foi como se o eleitorado chegasse para Bolsonaro, apontando a arma: perdeu playboy, perdeu.
A Bolsonaro só restou pedir: tá bom, mas não esculacha.
Ele, os filhos e os fiéis estão dizendo que nem se envolveram tanto nas campanhas (o que é falso) e que o bolsonarismo permanece.
Só que, e aqui já vai um esculacho, não existe bolsonarismo. A vitória do presidente em 2018 foi um acidente histórico, uma mistura única de circunstâncias.
A população estava perplexa com as descobertas da Lava Jato, que não apenas apanhava episódios de corrupção, mas revelava um sistema de assalto ao Estado (aos contribuintes) para financiar partidos e pessoas. Era a velha política, alvo fácil.
O governo Dilma jogara o país na maior recessão, estourando os gastos públicos e conseguindo a proeza de ter juros e inflação nas alturas, ao mesmo tempo.
Com Lula apanhado, a esquerda era outro alvo fácil. A esperteza de Bolsonaro – ou de algum assessor de bom senso – foi trazer o liberalismo de Guedes (chega de Estado gordo e ineficiente) e o Moro da Lava Jato.
Como as diversas variedades do Centro estava perdida – o adversário está à direita ou à esquerda – e mais a facada, que tirou o candidato dos debates que poderiam derrubá-lo, deu Bolsonaro.
Passados dois anos, os eleitores derrotaram Bolsonaro – porque perceberam o quanto era fake, para dizer o mínimo – e fizeram o que?
Derrotaram a esquerda também. Verdade que surgiram três nomes novos (Boulos, Marília Arraes e Manuela Dávila) em capitais importantes, mas, por enquanto, só no segundo turno. E Boulos, o principal nome, saindo em desvantagem no maior prêmio desta eleição.
De certo, PT e PcdoB perderam prefeituras. O PSOL ganhou, mas de duas para quatro, ou seja, nada, se não levar São Paulo – o que, de novo, é difícil.
Quem ganhou, então? A velha política, os partidos do Centrão fisiológico, e mais um Centro, digamos, mais programático (DEM, PSDB, que arrasou no Estado de São Paulo, partes do MDB e outras agremiações).
A Lava Jato também perdeu. Não se viu nenhum grande portador de votos defendendo fortemente a força-tarefa. Isso foi ruim. Deu mais espaço para o pessoal que está tentando abafar a operação, grupo que inclui ministros do Judiciário, parlamentares do Centrão e da esquerda (para livrar Lula) e a turma de Bolsonaro (procurador Aras à frente).
Se essa turma dominar a cena política, o retrocesso é certo.
Qual a alternativa? Primeiro, uma nova esquerda, sem corruptos. Não custa lembrar que o PSOL foi formado por parlamentares chocados quando ficou clara a corrupção na campanha de Lula.
Se, além de limpa, for uma esquerda mais inteligente e realista em política econômica, melhor – mas aí talvez seja pedir demais.
Também é preciso, para o bem do país, que prevaleça o Centro programático, liberal na economia, mas com programas sociais bem endereçados.
Temos, portanto: a extrema-direita de Bolsonaro (que se aproxima de um final à moda de Trump), o velho Centrão do é dando que se recebe, um Centro liberal/progressista e uma nova esquerda.
FHC costuma dizer que todo projeto político precisa de nomes. Pois bem, o que temos?
Bolsonaro por ele mesmo, claro.
Ciro Gomes e Haddad de novo pela esquerda? Boulos, se vencer em São Paulo?
O mineiro Calil, por exemplo, pelo Centrão.
E no lado Centro mais ou menos progressista: Dória, ACM Neto, Rodrigo Maia, Luciano Huck.
E Moro, pelo Centro/Lava Jato.
Claro, há outros nomes e muitas combinações possíveis, incluindo a dobradinha PSDB/DEM ou DEM/PSDB.
A ver. Se triunfar o velho Centrão e o abafa da Lava Jato, teremos retrocedido muitos anos.
Será que temos um Biden por aqui?
SUS e Operadoras
O Judiciário brasileiro tem dado várias decisões a favor do SUS, que quer cobrar dos planos e operadoras de saúde quando atende clientes destes.
Está errado. A Constituição diz claramente que saúde é direito do cidadão e dever do Estado. Portanto, o SUS tem que atender todo brasileiro, rico ou pobre, tenha ou não plano de saúde.
A decisão não tem sido jurídica, mas um quebra galho para arranjar mais dinheiro para o SUS. E assim vão destruindo os serviços privados de saúde, tornando-os cada vez mais caros e mais elitistas.