Nós entregamos conhecimento
Carlos Alberto Sardenberg
Nos 95 anos de O Globo, tratamos aqui de um tema muito caro para nós, jornalistas. O mais caro: o que é notícia? Discutimos as várias respostas que jornalistas e veículos produziram ao longo da história, assim como as críticas do público e, sobretudo, das pessoas, políticos e governantes, por exemplo, que são objeto das notícias, opiniões e comentários. Saiu no último 30 de julho.
Voltamos hoje ao tema, mas por um outro viés. Este: como a notícia é apurada e checada constantemente, várias vezes. Convém repetir a definição que está nos Princípios Editoriais do Grupo Globo: “Jornalismo é o conjunto de atividades que, seguindo certas regras e princípios, produz um primeiro conhecimento sobre fatos e pessoas. Qualquer fato e qualquer pessoa: uma crise política grave, decisões governamentais com grande impacto na sociedade, uma guerra, uma descoberta científica, um desastre ambiental, mas também a narrativa de um atropelamento numa esquina movimentada, o surgimento de um buraco na rua, a descrição de um assalto à loja da esquina, um casamento real na Europa, as novas regras para a declaração do Imposto de Renda ou mesmo a biografia das celebridades instantâneas” (ou, acrescentamos nós, o discurso de um presidente).
“ O jornalismo, segue a definição, é aquela atividade que permite um primeiro conhecimento de todos esses fenômenos, os complexos e os simples, com um grau aceitável de fidedignidade e correção, levando-se em conta o momento e as circunstâncias em que ocorrem. É, portanto, uma forma de apreensão da realidade”.
E, de novo acrescentamos, uma forma de revisitar o conhecimento dia após dia ou, nesta era de internet, momento após momento.
O presidente Bolsonaro discursou na ONU e isso foi noticiado. Publicamos o que ele falou. Mas na imprensa séria e independente, a notícia – o conhecimento – não para aí. É preciso conferir o que o presidente disse. O que se fez intensamente desde a divulgação do texto presidencial. Para azar do presidente.
Alguns dizem que temos a mania de perseguir Bolsonaro – aliás, ele próprio repete isso sempre que tem a oportunidade. Mas o que podemos fazer? Publicar o discurso, dar o assunto por encerrado e entrar no noticiário da Covid e os jogadores do Flamengo? Isso, sim, seria desrespeitar o público. Seria deixar de procurar e oferecer novos conhecimentos.
E conhecimentos importantes. Por exemplo, a entrada de capitais estrangeiros. Fomos checar nos dados do Banco Central e … está em queda, nas duas modalidades. O investimento direto – aquele destinado a fábricas, lojas, negócios da economia real – caíram 30% no acumulado de janeiro/agosto contra o mesmo período do ano passado.
No caso dos investimentos no mercado de capitais, tem até uma boa notícia para agosto passado, uma entrada de US$ 2,3 bilhões. Mas isso depois de retiradas enormes. Nos doze meses encerrados em agosto, o BC registrou uma saída expressiva de US$ 43 bilhões.
Isso é conhecimento, uma boa aproximação da realidade. E dizemos “aproximação” e não realidade pura, porque falta aqui uma análise dos motivos das entradas e saídas. E até poderia ter um bom tema para o presidente. Ele poderia dizer que, com a taxa básica de juros tão baixa, 2% ao ano, o Brasil deixou de ser a farra dos investidores especulativos.
Mas aí também seria preciso acrescentar, como fizemos nos nossos comentários na CBN, no Jornal da Globo e a Globonews, que os investidores estrangeiros estão exigindo juros de 8% ao ano para comprar títulos do governo brasileiro com vencimento em dez anos. Ou seja, desconfiam que o governo pode fazer estripulias nas contas públicas e descambar para o populismo gastador.
Eis como fizemos várias aproximações da realidade e apresentamos conhecimento sobre fatos – as contas externas – e pessoas, no caso, o presidente e suas fake news.
Houve várias outras – especialmente nos trechos sobre fogo, desmatamento e Covid – que muitos colegas reportaram à saciedade. O presidente distorceu fatos, não apresentou conhecimento, mas propaganda.
Nós continuamos com nosso jornalismo.