. Atenção para os sinais americanos Atenção para os sinais americanos
É impossível entender as variações diárias das bolsas de valores. O mercado depende essencialmente de expectativas e estas, de sua vez, dependem em parte de psicologia, do modo como investidores, grandes e pequenos, institucionais e eventuais, reagem a acontecimentos do dia-a-dia.
Não raro a interpretação dominante de um fato muda ao longo do dia de negócios.
Mas o movimento de médio e longo prazo tem a ver essencialmente com o estado geral da economia e com as condições particulares das empresas.
Assim, as ações valorizaram-se extraordinariamente nos Estados Unidos nos últimos anos como consequência da longa e extraordinária prosperidade da economia americana, que registrou níveis inéditos de crescimento e ganhos de produtividade.
De março para cá, as bolsas despencaram ? em consequência de pânico, expectativas negativas, mas essencialmente por causa da percepção de que esse longo ciclo de prosperidade forte estava chegando ao fim.
Essa percepção baseava-se num fato muito concreto: a alta de juros promovida desde meados do ano passado pelo Federal Reserve, Fed, o banco central americano. Essa política tinha o objetivo declarado de desacelerar a economia americana, isto é, fazer com que o consumidor continuasse indo ao shopping, mas gastando menos a cada compra, e que as empresas continuassem investindo, mas em projetos mais modestos.
Juros altos moderam gastos, como se sabe.
Assim, se a política fizer efeito, as empresas vão vender menos e lucrar menos, de modo que suas ações devem render menos do que no passado.
Essa é a lógica.
Além disso, formou-se a consciência de que as empresas da Tecnologia de Informações (Internet, computadores, telecomunicações, biotecnologia) afinal são empresas como as outras: podem dar certo, podem dar errado. Do entusiasmo passou ao sentimento de realidade. Nem tudo que é novíssimo dá dinheiro.
Os dois fatores combinados derrubaram as bolsas de Nova York, especialmente a Nasdaq, pregão eletrônico onde se negociam as empresas da chamada Nova Economia.
Nos últimos dias, as bolsas voltaram a registrar altas. Na terça, a Nasdaq registrou mesmo o recorde de alta em um único dia.
Passou tudo?
A resposta é não.
A explicação é a seguinte: mesmo com a alta recorde de terça-feira, o índice Nasdaq continua 30% abaixo do pico de março. Ou seja, é uma queda é tanto. Precisaria subir nada menos que 45% para voltar ao pico, o que parece impossível por ora.
O mais provável é que a bolsa esteja se acomodando em um patamar inferior, adequado ao ritmo mais moderado da economia americana.
E este é o fato essencial: começam a surgir sinais de que essa economia esteja finalmente desacelerando. E se isso estiver acontecendo o Fed poderá interromper ou ao menos moderar a política de alta de juros.
Assim, desacelerada a economia americana, cessada a turbulência internacional, os juros internacionais se estabilizam, não importa que seja num patamar superior. O importante é a expectativa de estabilidade.
Eis, portanto, o ponto a observar: sinais de desaceleração nos EUA. Na semana passada, saiu um muito importante: o consumo pessoal, que responde por mais de metade da economia americana, cresceu bem menos em abril. Além disso, aumentou a poupança pessoal. Até então, os americanos gastavam mais do que ganhavam, endividando-se para cobrir a diferença.
Mas são sinais provisórios. Nesta semana ainda saem outros, especialmente o índice de desemprego, na sexta.
De todo modo, esse é o ponto chave do momento: a economia americana está ou não desacelerando? Disso depende a estabilidade no mercado financeiro mundial e a queda de juros para países emergentes.
A verificar.
PACOTE ARGENTINO
Eles, nós e a cavalaria americana
O equilíbrio das contas públicas é essencial qualquer que seja o regime econômico. Você lê no noticiário que a Argentina precisa ajustar suas contas para defender o sistema de câmbio fixo 1 peso igual a 1 dólar. Já o Brasil, tendo um sistema de câmbio flutuante, não tem cotação do dólar a defender, mas precisa ajustar suas contas para reduzir a inflação. Aliás, inflação que rigorosamente não existe na Argentina: no ano passado, os preços caíram 1%.
Portanto, melhor esquecer as justificativas. As contas públicas têm de estar equilibradas e ponto final. Isso é particularmente importante para países com dívida pública elevada, como é caso de Argentina (dívida equivalente a 53% do Produto Interno Bruto) e Brasil (47% do PIB).
O setor público precisa então fazer um superávit primário (veja o que é na seção Entenda Economia), para ter um saldo com o qual pagar juros e reduzir paulatinamente a dívida.
O Brasil desde o ano passado bem mantendo superávit primário acima de 3% do PIB ? que é um enorme esforço ? baseado em corte de gastos (modesto) e aumento de impostos (pesado).
Na Argentina, o governo Fernando de la Rúa estreou no final de 1999 com um pacotazo de corte de gastos e brutal aumento de impostos. Como costuma ocorrer, o corte de gastos primários previsto já para o primeiro trimestre deste ano, US$ 1,4 bilhão, não se materializou. Ao contrário, os gastos aumentaram US$ 34 milhões.
Daí as desconfianças que surgiram em relação ao cumprimento de metas (sim, a Argentina também está amarrada a acordos com o FMI, até há mais tempo que o Brasil). E daí o segundo pacotazo, o desta semana, desta vez centrado em corte de gastos ? e corte na veia, com redução nominal de salários e aposentadorias.
A lei
Do ponto de vista da lógica econômica, faz sentido. Economistas ligados ao ex-ministro e hoje deputado Domingo Cavallo criticaram o pacote, dizendo que redução de salários é injusto e possivelmente ilegal. E recomendaram sabe o quê? Demissão de funcionários, maciça. Deram um exemplo: o Banco Central tem 2 mil funcionários e pode funcionar com 500; logo, o certo não é reduzir os salários dos dois mil, mas demitir 1,500 e até melhorar o salário dos que ficam.
A diferença é de estratégia política e jurídica. Do ponto de vista da lógica econômica, dá no mesmo: reduz o gasto público de um modo ou de outro.
Mas em qualquer caso, há dificuldades políticas e jurídicas.
O ex-presidente Carlos Menen tentou, em um de seus pacotes, reduzir salários do funcionalismo em 5%. A Suprema Corte derrubou.
Dizem que agora o presidente De La Rua cercou-se de garantias de jurídicas para aplicar corte de 12% no salário do servidor que ganha de US$ 1.000 a US$ 6.000 e de 15% acima disso. É o ponto forte do pacote: uma economia de quase US$ 600 milhões, num corte global de US$ 980 milhões.
Não por acaso, os juizes foram os únicos funcionários públicos excluídos do corte salarial. Como em todo país civilizado, também na Argentina os juizes têm as prerrogativas da inamovibilidade e irredutibilidade de salários.
Só que interpretações anteriores diziam que os salários em geral não podem ser assim reduzidos por lei. No Brasil, por exemplo, a chance de um pacote desses seria zero.
Pode-se argumentar que não dar reajuste depois de um período de inflação, como ocorre aqui no Brasil, é um modo de reduzir salários reais. Pode-se dizer ainda que na Argentina não tem inflação há dez anos e que, além disso, em diversos momentos houve queda de preços e, pois, aumento de salário real.
Ainda assim, uma redução de 12% direto ali no contracheque é medida muito dura. Reduções ou ganhos reais, em consequência da evolução dos preços, não são visíveis a olho nu. O contracheque é escandaloso.
Em resumo, o caso argentino vai aos tribunais. Mas antes vai às ruas.
Política
O governo De La Rua é uma frente, a Aliança, formada com a UDR ? União Cívica Radical ? e a Frepaso, esta uma frente de grupos de esquerda. A UDR pode ser classificada como de centro-esquerda. Seria equivalente à melhor porção do PMDB brasileiro, a seção gaúcha, por exemplo, junto com amplas partes do PSDB.
Obviamente, é difícil para uma associação assim patrocinar um duro corte de salários de servidores e de aposentadorias.
Por isso, aliás, o pacote demorou a sair. De La Rua teve de convencer seu pessoal à esquerda. Aliás, a equipe econômica queria cortar salários a partir de US$ 600. Os políticos conseguiram salvar o pessoal que ganha até US$ 1.000.
Mas foi pouco. No geral, líderes da Frepaso evitaram declarações formais, mas deixaram claro que não estavam gostando.
Virão agora os protestos de funcionários e seus sindicatos. Como vai se portar a Aliança?
A crise
O resumo dessa história é que a situação argentina é bastante grave. E o pior é que eles lá não tem muita coisa a fazer senão isso mesmo, cortar gasto público.
A Argentina depende de financiamento externo para fechar suas contas. Com a alta dos juros americanos e, pois do mercado internacional, esse financiamento ficou mais caro. E especialmente para a Argentina, por causa do regime de câmbio fixo. Por lei, para dar consistência à moeda local, para cada peso em circulação, o Banco Central argentino precisa ter um dólar nas reservas.
Assim, se o governo aumenta os gastos em pesos, precisa ou tomar mais pesos dos cidadãos via impostos, o que já fez, ou tomar dólares emprestados, que ficaram mais caros e elevaram a despesa financeira do governo e das empresas. Resultado: a redução de despesas em pesos é a única saída. E é dureza: recessão, desemprego etc.
A cavalaria americana
Nesse quadro, a melhor esperança para Argentina está no resgate da cavalaria americana. Ou seja, se o Federal Reserve interromper ou ao menos amenizar a política de alta de juros.
Argentinos devem erguer as mãos aos céus para isso. Brasileiros também, pelos argentinos, que os precisamos bem, porque são nossos principais fregueses, e por nós mesmos, que o Brasil também depende de financiamentos externos.