LULA E A CRISE DA AFTOSA

. Lula erra no boi e na vaca  
    
     
O presidente Lula disse que o fazendeiro é o principal responsável pela saúde do seu rebanho. Parece óbvio, não é mesmo? É o olho do dono que engorda o boi. E justamente por ser óbvio, não serve para nada. A questão da qual o presidente deveria se ocupar é a seguinte: o produtor está fazendo sua parte? E a resposta é sim, para os fazendeiros do moderno e competitivo agronegócio. Não para pequenos e médios produtores, inclusive dos assentamentos de reforma agrária, o pessoal da informalidade, para não falar clandestinidade.     
O que leva ao outro lado dessa história de controle sanitário do rebanho bovino: o governo está fazendo sua parte? A resposta é não. De novo o presidente se engana. Disse ele que não faltou dinheiro. Faltou sim. Como informou o ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues, o orçamento de defesa sanitária, inicialmente de R$ 161 milhões,  foi cortado. A liberação do dinheiro até hoje ? cerca de R$ 50 milhões – equivale a um terço do originalmente orçado e à metade do que sobrou após o contingenciamento.     
Além disso, faltam fiscais, faltam sistemas mais modernos de controle do gado, falta polícia. O governo federal, por lei, é responsável pela fiscalização sanitária da carne destinada à exportação, pelo comércio interestadual, via Sistema de Inspeção Federal (SIF) e pela vigilância de fronteiras.        
E faz tempo que o moderno setor privado vem reclamando do governo. Tanto reclama, que muita gente já se perguntou: ora, por que os produtores não resolvem o assunto eles mesmos, sem depender do governo?     
É o que eles (produtores e frigoríficos) mais desejariam. Mesmo porque têm dinheiro e condições técnicas para isso. Mas não pode. A regra internacional, que faz todo sentido, diz que fazendeiro e exportador não podem fiscalizar e atestar a qualidade sanitária de seu próprio produto. Isso obrigatoriamente tem de ser feito pelos técnicos do governo ? e aí começa a encrenca. É falta de prioridade política, pois não se exige tanto dinheiro assim. Se o governo Lula dedicasse à defesa sanitária uma pequena parcela da energia e do dinheiro que gasta com o MST, já seria suficiente.     
Tudo considerado, o governo Lula tem apanhado carona na eficiência autônoma do agronegócio, quando celebra as exportações brasileiras. Mas não confere prioridade ao setor, que se mantém assim sob permanente ameaça.     
O Brasil hoje é o maior exportador mundial de carne bovina, com 24% do mercado, pouco à frente da Austrália (21%). Do total da carne exportada, 80% segue in natura (congelada), tudo sob estrita vigilância dos compradores, que estão em mais de 100 países. Enorme eficiência, que gera mais de US$ 8 bilhões por ano.     
Ao mesmo tempo, há um contraste desolador. Nada menos que 50% da carne comercializada no Brasil é de abate clandestino. Ali mesmo em Eldorado, no Mato Grosso do Sul, onde apareceu o primeiro foco de febre aftosa, há gado que vem do Paraguai sem qualquer controle e há muita criação, digamos, informal, inclusive de assentamentos de reforma agrária. Pelas primeiras informações, o foco surgiu numa fazenda técnica, que tinha suas cabeças de gado vacinadas e controladas.     
Confirmando-se isso, a contaminação desse rebanho terá ocorrido via mercado clandestino ? e que escapou à fiscalização do governo, aqui já incluindo federal e o estadual. Portanto, pelo que se sabe até agora, aconteceu o contrário do que sugeriu o primeiro comentário do presidente Lula sobre o assunto. Os donos fizeram sua parte, o setor público fracassou.     
 Esse resumo aplica-se ao país todo, como aliás as lideranças do agronegócio, incluindo o ministro Roberto Rodrigues, vêm reclamando há muito tempo.     
O diagnóstico vale para todo o complexo carne: eficiência privada, problemas no setor público. No caso da carne bovina, toda análise do setor coloca como vantagens o clima favorável e a grande disponibilidade de terras que permite a criação extensiva, com o boi no pasto consumindo capim, o boi verde, livre, por exemplo, do mal da vaca louca. Em cima disso, a capacidade dos executivos do moderno agronegócio em aproveitar essas vantagens.     
Os riscos do setor? Defesa sanitária e fiscalização, a parte do governo, é o que apontam os analistas.     
Lula atirou no fazendeiro, acertou no seu governo. Errou no boi e na vaca.  Publicado em O Estado de S.Paulo, 17/outubro/2005

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