LULA, BUSH E EVO MORALES

. Por que brigar com Bush?     
Criticado por ser muito tolerante com o presidente da Bolívia, Evo Morales, o presidente Lula repetiu, na semana passada, a frase que apresentara no início da crise entre os dois países: ?Se eu não briguei com o Bush, por que vou brigar com o Evo??     
A sacada tem o óbvio propósito de mostrar um governante equilibrado,  capaz de manter boas relações à direita e à esquerda, visando sempre os interesses de seu país. Mas não cola.     
Começa que o presidente Bush não anda expropriando ativos brasileiros. É o contrário. A Petrobrás está ampliando suas atividades nos EUA, onde é muito bem recebida pela simples e boa razão de que leva capital, investimentos, empregos. Aliás, a mesma coisa que levou para a Bolívia, mas neste caso prevalece a velha ideologia latino-americana: a Petrobrás lá é imperialista, a gringa, espécie de linha auxiliar do grande imperialismo, os EUA.     
E para falar a verdade, é esta visão dos EUA que está por trás da frase de Lula. Por que brigar com Bush? Ora, porque é o presidente dos Estados Unidos. É como se Lula estivesse nos dizendo que tem todos os motivos e todo o direito de encrencar com Bush, pelo conjunto da obra imperialista, mas não o faz porque é um governante equilibrado.     
Ocorre, entretanto, que Lula de fato brigou com Bush nesse sentido ideológico. Qual outro motivo senão esse explicaria o esforço, bem sucedido, da diplomacia de Lula para enterrar as negociações em torno da Alca, Área de Livre Comércio das Américas?     
Na campanha eleitoral de 2002, Lula dizia que a Alca, se realizada,  não seria um tratado de comércio, mas a anexação da América Latina pelos Estados Unidos. Seria uma anexação moderna, inteiramente econômica. Nossos países  seriam inundados por produtos made in USA, as fábricas locais desapareceriam.     
Curiosamente, os lobistas de diversos setores da economia americana diziam exatamente o contrário: que a Alca transferiria empregos dos EUA para a América Latina, pois seria muito mais barato produzir ali e exportar para o mercado americano, sem impostos e taxas. O pessoal do agronegócio norte-americano dizia que seria impossível competir com produtores brasileiros.     
Em qualquer país, os setores econômicos menos competitivos não querem saber de abertura comercial, por motivos óbvios. A abertura, de fato, tira do mercado os mais atrasados, mas o efeito geral é positivo para todos os lados. A competição obriga os diversos setores a buscar eficiência, novas capacidades, tudo resultando em novos investimentos, empregos e bons preços e produtos melhores para o consumidor.     
As área se dividem. Fica no México, que tem acordo de livre comércio com os EUA,  a fábrica da Volkswagen que produz aqueles novíssimos Fuscas, os Beetles, para o mercado americano. Claro que o México tornou-se importador de outras coisas made in USA, especialmente tecnologia. Mas em geral, todo acordo de livre comércio com os EUA tende a ser mais vantajoso para o outro país, porque ganha acesso especial ao maior mercado consumidor do planeta.     
Ou é isso, ou então grande parte dos países da América Latina é dirigida por vendilhões da pátria, pois, enterrada a Alca, diversos deles fecharam ou estão negociando acordos comerciais com os EUA. Entre os que negociam, por exemplo, está o presidente do Uruguai, Tabare Vasquez, líder da esquerda, amigão de Lula, mas que disse estar tratando do tema de modo pragmático, sem ideologias. Ele precisa vender bifes nos shoppings americanos.     
Mas Lula até hoje considera um êxito de sua diplomacia ter tirado a Alca da agenda. Na verdade, sua posição ajudou todos aqueles setores americanos refratários à abertura, justamente os setores nos quais o Brasil é competitivo. Exemplo: têxteis. Hoje, empresas brasileiras tratam de se instalar em países da América Latina que já fecharam acordos de livre comércio com os EUA. Estão mudando para os países já ?anexados?.     
Em resumo, não teve racionalidade na posição brasileira. Foi bronca com o imperialismo, que resultou num gol contra. Já com Evo Morales é o contrário. O governo Lula não briga quando deveria fazê-lo, de novo por razões ideológicas, alimentadas pelos assessores que cuidam de sua diplomacia. Afinal, o que faz Morales? Estatiza, nacionaliza, expropria ? exatamente como pregava a velha esquerda da qual o PT fez parte durante tanto tempo. Lá no fundo da alma, esse pessoal até concorda quando os bolivianos dizem que a Petrobrás, lá, é imperialista. Sentem-se desconfortáveis defendendo o capital estrangeiro. Aproveitando-se disso, Morales vai avançando. Mesmo porque, para ele, não há dúvidas: o diabo está nos EUA, no capitalismo, no liberalismo, no mercado e na Petrobrás de Lula.  O dever Cívico do PT  O presidente do PT, Ricardo Berzoini, confirmou que o partido recebeu pouco menos de um milhão de cartilhas editadas (e pagas) pela Secretaria de Comunicação da Presidência da República e que as distribuiu para sindicatos, ONGs e outras entidades. Disse que não se tratou de propaganda partidária do PT, pois as cartilhas apresentavam uma prestação de contas da administração Lula, coisa que todos os governos democráticos e republicanos devem fazer. Em entrevista na CBN, perguntamos a Berzoini se o PT prestaria o mesmo dever cívico caso o governador Cláudio Lembo entregasse ao partido uma cartilha com a prestação de contas do governo Alckmin. Distribuiria as cartilhas para sua rede? Claro, disse Berzoini, mantendo a coerência. Portanto, fica avisado: governadores e prefeitos, não importa o partido, podem mandar suas prestações de conta, que o PT distribuirá por todo o país, de graça. É no que dá uma desculpa esfarrapada. Publicado em O Estado de S.Paulo, 18 de setembro de 2001  

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