LIBERDADE E CASTIGO

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O Congresso Nacional mudou ? para melhor! ? aquela Medida Provisória que proibia a venda de bebidas alcoólicas em bares e restaurantes à beira de estradas federais. Agora, a venda é permitida nos estabelecimentos que estão dentro de perímetros urbanos, a grande maioria, e, em compensação, a lei prevê punições mais rigorosas para quem é apanhado dirigindo depois de ter tomado uma gota de álcool que seja. A punição é maior quanto maior a dosagem de álcool no sangue e quanto maior o estrago provocado pelo motorista. Os processos serão mais rápidos.
Eis a legislação correta. Vai direto ao ponto e coloca a Polícia Rodoviária na sua função, nas estradas, checando motoristas ? e não desloca policiais para procurarem garrafas nos bares e restaurantes. (Tratamos do tema neste espaço, nos dias 7 de fevereiro e 6 de março últimos).
Agora, é evidente que não basta a lei. O mais importante é sua aplicação, sempre. Mas esta regra tem mais chance de funcionar.
E ainda falta mudar leis que ajudam o infrator a escapar. Por exemplo: continua valendo a regra pela qual o motorista pode se recusar a fazer o teste do bafômetro ou o exame de sangue. Não tem sentido. Entre as pessoas que não tomaram nada, é possível que algumas se recusem a fazer o teste. Entre as que beberam e sabem-se culpadas, é evidente que todas se recusarão. Logo, a regra atual favorece os infratores conscientes, motoristas que já cometeram o erro e sabem disso. São justamente esses os que precisam ser apanhados e punidos com o maior rigor.
Diz-se que a recusa é um direito individual sagrado. O direito, no caso, é o de ter um bom julgamento, no qual o motorista apanhado pode até tentar desqualificar a prova do bafômetro. O pedido do policial para que a pessoa faça o teste é como pedir a carteira de motorista.
(Quando o mundo era muito mais simples, podia ser mais liberal. Em países de ampla e histórica democracia, no passado, um cidadão de bem ficaria indignado com a idéia de apresentar documentos ou de dizer ao governo quanto dinheiro tinha no banco. As contas eram apenas numeradas, com códigos. Hoje, depois das quadrilhas internacionais e da lavagem de dinheiro, ninguém estranha documentos e a declaração de renda).
Também é preciso mudar a legislação dos radares. É simplesmente ridícula essa regra de que é preciso avisar que há radares na rodovia e onde estão. Só perde da lei aprovada pela Assembléia Legislativa de Santa Catarina, que proibiu a colocação de radares nas estradas estaduais ? uma legislação tão estúpida quanto populista.
William Bonner, nesta página, fez uma comparação esclarecedora. É proibido tomar um avião carregando armas e inflamáveis. Por isso mesmo, as malas devem passar pelo raio-x. Imaginem se, nos aeroportos, se colocassem avisos dizendo que as máquinas detectoras de metal estão nas entradas um e dois. Detectoras de líquidos inflamáveis, entradas três e quatro.
É, sim, exatamente a mesma coisa. A velocidade máxima é de 100 km, mas só há radares nos quilômetros tais e tais. Ou, é proibido passar no sinal vermelho, mas só há radares fotográficos nas ruas tais e tais.
O correto é avisar qual o limite de velocidade daquela rodovia – e só. A polícia teria o direito de colocar os radares quando e onde quisesse.
Diz-se que é indústria de multas e violação de direito individual. Ora, seria indústria de arrecadação se a polícia multasse quem passasse pela frente. Se apanha só quem está errado, qual o problema? Na verdade, a exigência de se saber onde está o radar não é uma defesa do direito individual, é querer uma licença para cometer a infração.
O princípio, em todos esses casos, deve ser ?liberdade e castigo?. A lei deve garantir a liberdade dos cidadãos: de comprar bebidas onde quiser, comprar carros e circular à vontade pelas cidades e pelo país, viajar de avião por toda parte. E se comete um crime, comprovado em um bom julgamento, o mundo deve desabar sobre sua cabeça.
Não faz muito tempo, um motorista, embriagado, atropelou ciclistas e pessoas que estavam em um ponto de ônibus no Recife. Matou algumas, feriu as outras. Foi apanhado na hora, levado à delegacia de polícia, onde foi autuado e liberado em seguida. Recusou-se a passar pelo bafômetro e pelo exame de sangue.
Direito?

Publicado em O Globo, 29 de maio de 2008

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