EURO

. Europa, jogo difícil, e com o segundo time

Carlos Alberto Sardenberg

Coloque-se na posição de um contribuinte alemão, chamado a tirar dinheiro do bolso e emprestar para o governo grego rolar suas dívidas ? dívidas essas, como dizem líderes políticos e a mídia, construídas à base de benefícios salariais ao funcionalismo (bônus de Páscoa, Natal e Verão) e aposentadorias precoces e generosas. Acrescente a isso que a chefe do governo, Angela Merckel, responsabilizou a ?perfídia? dos bancos pela crise de confiança que se espalhou pelo mercado financeiro.
Ora, se a culpa é dos gregos que torraram uma grana e dos bancos especuladores que se aproveitam da situação, por que diabos o contribuinte alemão tem de pagar parte da conta?
Coloque-se agora na posição de um cidadão grego. Quando estava usufruindo da vida boa com a entrada no euro, quando o governo conseguia empréstimos abundantes e a juros bem baixinhos ? afinal, o país estava na mesma moeda dos alemães! ? os líderes políticos pediram votos dizendo que tudo aquilo resultava de sua sabedoria e habilidade.
Quando aparecem os sinais de crise ? a desconfiança de que o país não poderia pagar suas dívidas ? os líderes políticos, primeiro, mentiram sobre as contas e, depois, colocaram a culpa na especulação criminosa dos bancos.
Passam-se algumas semanas e o governo anuncia que, infelizmente, a conta terá de ser paga com uma vida mais apertada para todos os gregos. Ou isso ou a destruição do país. Ora, onde está a verdade? Na denúncia da especulação ou na ameaça de fim do mundo? Tudo considerado, por que trabalhadores e aposentados topariam um programa que corta os salários e benefícios deles e não os ganhos dos banqueiros?
A Espanha foi pelo mesmo caminho. O primeiro-ministro Zapatero também denunciou os especuladores pelos rumores segundo os quais o governo de Madrid estaria negociando (ou precisaria negociar) um pacote de ajuda financeira com o FMI e a União Européia ? circunstância que levou a um aumento nas taxas de juros cobradas do governo espanhol.
É claro que há especulação.
Coloque-se na posição de um investidor que tem dinheiro aplicado em um fundo cuja carteira contem títulos do governo espanhol. Até aqui, títulos muito seguros, tão seguros que pagavam juros bem baixinhos.
Mas aí aparece essa história da Grécia, cujo governo anuncia não ter dinheiro para pagar prestações da dívida que vencem em 19 de maio. Daí, é inevitável dar uma olhada nas contas dos outros governos ? e a visão não é confortável.
O governo espanhol tem uma dívida acumulada de US$ 1,5 trilhão, o que equivale a mais ou menos a totalidade do seu Produto Interno Bruto. O déficit do orçamento público anual está entre 11% e 12% do PIB, bem acima do limite de prudência (3%) e parecido com o da … Grécia.
Ok, a economia espanhola é mais de quatro vezes maior que a da Grécia, sua capacidade de produzir e gerar recursos é muito maior, tem um sistema financeiro maior é capaz de financiar os setores público e privado, mas … a Espanha tem dificuldades estruturais para recuperar o crescimento e, afinal, quase toda a Europa está soterrada sobre uma montanha de dívida pública.
O que leva ao outro lado da história, a situação dos bancos. Considerem os bancos alemães, aqueles da perfídia. Eles compraram títulos do governo espanhol no valor atual de US$ 300 bilhões. Para Portugal, emprestaram outros US$ 60 bilhões. Para o setor público grego, foram US$ 58 bilhões.
Isso vale para todos os bancos europeus, todos pendurados nas chamadas ?dívidas soberanas?. Pode-se até especular se os bancos não teriam sido imprudentes em financiar tanto papel público. Provavelmente, foram irresponsáveis em emprestar mais do que podiam, mas ninguém reclamou disso quando os governos se financiavam alegremente e faziam suas bondades.
Agora, todos especulam sobre a capacidade de diversos governos continuar pagando suas contas em dia, sobre a capacidade dos bancos credores de suportar eventuais perdas e sobre a capacidade dos governos e das instituições internacionais (União Européia, FMI, Banco Central Europeu) em administrar a crise.
Eis o ponto: só há especulação porque os governos apresentam contas problemáticas e porque a Europa exibe baixa capacidade de crescimento. Quando o mundo estava crescendo, no início deste século, a Europa conseguiu expansão do PIB da zona do Euro de 2,5% ao ano, em média.
Mas, reparem, o mundo estava crescendo a 5%. Na recessão de 2008/09, os países da Zona do Euro, entre os mais ricos, só tiveram desempenho melhor que o sempre estagnado Japão. E são também os mais lentos na recuperação.
Ou seja, são três problemas aí: curar as feridas da recessão, administrar a situação das combalidas finanças públicas e reformas estruturais que abram espaço para mais crescimento.
Para isso, a Europa precisa de líderes políticos que façam algo mais do que atacar especuladores. Bastar dar uma olhada para verificar: a Europa hoje está sendo dirigida pelo segundo time.
Dizem que a ocasião faz os heróis. Ainda há tempo, a situação dos outros países é muito menos dramática do que a da Grécia, o pacote grego foi uma boa medida, mas também é verdade que já perderam muito tempo.

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